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A incrível derrota (?) do vencedor Massa

Se há – não só pela fronteira – que acontece no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e se vê aperfeiçoada esteticamente pelo cair vigoroso das águas de uma das mais bonitas cataratas do mundo já no Paraná e aperfeiçoada pela comunhão de suas identidades políticas, culturais, remontam a presença de um depoimento mudo e definitivo da civilização jesuítica e das ruínas históricas (seja em São Miguel, BR, ou em Possadas, AR). A linha fronteiriça tem prazer de mudar-se de um lado para o outro quando é determinada pelo talveg de arroios que viram rios em plena enchente de inverno ou de rios caudalosos que se fazem fios d´água na seca do verão. De qualquer maneira, seja atravessando a ponte e seus 2km (“todo nos une, nada nos separa”, como disse um presidente argentino), estamos desde o binômio Uruguaiana e Passo de Los Libres até a ponte sobre o Rio Pelotas que nos une a Santa Catarina umbilicalmente vinculados: Brasil e Argentina.

Na ocasião de chuvas até fazem com que um milagre hidráulico, especialmente de movimentos agudos, ataque simultaneamente tanto eles (argentinos) como nós (brasileiros).

Nem isso, porém, o rigor das águas espraiadas, das casas destruídas, das famílias sacrificadas, que nos fazem solidariamente parceiros de uma natureza transitoriamente vingativa, a ideia simples da gente simples que afirma que a coragem de alguém se prova quando, enfrentando as águas volumosas e as ondas transitoriamente agitadas do rio que gostaria de ser mar (Uruguai), supera o limite fronteiriço e chega ao outro lado. Somos binacionais.

Nesse lembrar, que razão tinha o vate lusitano quando disse que navegar é preciso e reconhece que os lusitanos se fossem aventurar até mesmo em Trapobana (Camões, Lusíadas) enquanto dos hispânicos a mágica poética de Cervantes, e o seu múltiplo facético cavaleiro andante, a quem Sancho Pança, modesto e pragmático, “ajudante de ordens”, ensinara arte, fazem com que se construam quase por milagre os alicerces mais sólidos do que viria a ser o pilar mestre que une a relação, a história, os problemas e as esperanças dos irmãos parecidos, mas não gêmeos, Brasil e Argentina. Fazem com que os sofrimentos de um alcancem o outro. Também, mas um pouco menos, conseguem compartilhar do desfrute da vitória.

Agora, Argentina, nas eleições democráticas, escolhe, no primeiro turno, o PASSADO, representado pelo candidato peronista, arquiteto Massa, com cerca de 40%. No entanto, a emotiva e dramática Argentina, 24h depois, assistiu ao delírio quase extravagante de Milei, uma figura surpreendente, defensor de ideias ultra liberais, chegar aos 30% e se habilitar a “pôr a mão na massa” (chiste portenho), como explicou que isto significaria e que os argentinos se esquecessem dos que estão sepultados na Chacarita (Peron e Evita).

Assim, ou mais ou menos assim, parece compor-se um quadro político envolvendo até a terceira colocada no primeiro turno, que representa o tradicional “matronato” portenho do qual é líder e formado das famílias que, na Argentina, há quem diga que são da “nobreza portenha”. Falo da senhora Bullrich, que fez 24% dos votos, colocando-se em terceiro lugar.

Menos de 24h após o término das apurações, a senhora, de família tão tradicional, anunciou que seus eleitores votariam, no segundo turno, no candidato liberal, Milei, com o que, agregando aos seus 24%, aos 30% de Milei, chegariam a um número totalmente majoritário de 54%. Pela lei, pela esperança dos candidatos, agora associados, Milei e Bullrich, os números são fatais para os peronistas.

Aliás, a manchete de jornais portenhos anunciara desde terça-feira que o acordo faria Milei imbatível. Enfim, o desenho histórico da vitória passageira de Massa, que foi um orador de um tema só, tentando renascer o peronismo, que só sobrevive na Chacarita, pode ser identificado como uma voz do passado.

Há quem diga, no Brasil, face as nossas relações íntimas, que, se Massa ganhasse, a vitória poderia ser de Lula.

E alguém pode perguntar: “E daí?”. E daí porque a vitória de Massa já começava a ser comemorada por aqui como sendo a vitória de Lula, enquanto o triunfo de Milei, digamos educadamente, é mais do que evidente a não vitória que Lula teria chegado a comemorar.

PS – A relação íntima e histórica atual, e creio que futura, do Brasil com a Argentina explicam que me sinta estimulado a avançar no terreno tão cheio de arenas movediças, como o do prognóstico dos resultados eleitorais.

(Carlos Alberto Chiarelli foi ministro da Educação e ministro da Integração Internacional – E-mails para carolchiarelli@hotmail.com)

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