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A iniciativa de Bolsonaro de comemorar o golpe militar é inédita em países da América do Sul

De acordo com o decreto, o Exército tem o prazo de 60 dias para definir quais armas serão liberadas para cidadãos comuns das categorias estabelecidas. (Foto: Divulgação)

“Comemorar o início de uma ditadura militar, por iniciativa do Estado, é algo inédito na América Latina”, disse ao jornal Folha de S.Paulo Santiago Cantón, atual secretário de Direitos Humanos da Província de Buenos Aires e ex-secretário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (2001-2012).

Na última segunda-feira (25), o porta-voz do governo de Jair Bolsonaro, general Otávio do Rêgo Barros, afirmou que o presidente havia determinado “comemorações devidas” neste 31 de março, quando se completam 55 anos do golpe de 1964.

Bolsonaro, porém, mudou o tom na quinta-feira (27) e afirmou que a ideia é rememorar, não comemorar o golpe. Veja abaixo como outros países da América do Sul que passaram por recentes ditaduras militares lidam com o dia do seu golpe.

Argentina

Na Argentina, o dia 24 de março, data em que, em 1976, ocorreu o golpe de Estado que deu início ao mais recente regime militar do país e a uma brutal repressão, é um feriado, mas dedicado apenas a lembrar e celebrar as vítimas dos abusos do Estado.

É chamado de Dia da Lembrança pela Verdade e a Justiça. Todos os anos, como no último domingo, há manifestações contra a ditadura em várias cidades do país. Em Buenos Aires, organizações de direitos humanos, estudantes e famílias se reúnem na Praça de Maio, diante da Casa Rosada (sede do governo argentino) após marchar com velas, cartazes ou fotos dos desaparecidos.

Nos últimos anos, as Mães e Avós da Praça de Maio, cada vez mais envelhecidas, têm tido dificuldades para marchar, mas são levadas por manifestantes ou familiares e, mesmo em cadeiras de rodas ou com auxílio, fazem o percurso que começaram há mais de 40 anos para reclamar o paradeiro de seus filhos. A celebração em memória das vítimas é um feriado nacional oficial e todas as atividades têm segurança da polícia.

Chile

No Chile, o 11 de setembro não é um feriado. O dia marca o golpe do general Augusto Pinochet e o bombardeio ao Palácio de La Moneda, que deu início à ditadura (1973-1990). “Na verdade, é um dia nefasto e marcado por medo”, resume o cientista político Fernando García Naddaf. As escolas têm jornada reduzida, por temor de expor os alunos a manifestações contra o golpe que ocorrem nas ruas ou a ações localizadas de alguns pinochetistas.

“Há cada vez mais jovens nas manifestações anti-Pinochet do que filiados à ideia de que a ditadura foi boa para o país”, conta Naddaf. Na frente do Palácio de La Moneda, há entrega de flores em homenagem a Salvador Allende (1908-1973), então presidente do país, que morreu durante a ação dos golpistas.

“No Chile, ainda há pinochetistas, obviamente, mas, se fazem alguma celebração, é de forma privada, nem mesmo nas academias militares. Seria muito escandaloso”, afirma o cientista político.

Paraguai

Tampouco se celebra o início da ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989) no Paraguai, em 4 de maio. Recentemente, um grupo de seguidores do ditador, os “stronistas”, tentaram fazer um pedido ao governo para que seus restos, que estão no Brasil, onde ele morreu, fossem repatriados, mas não foram atendidos.

Rejeitado até mesmo pelo governo do conservador Mario Abdo Benítez, Stroessner foi chamado de “homem de visão, um estadista” pelo presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia em Itaipu, em fevereiro.

Uruguai

O dia 27 de junho, que marca o início da ditadura militar que durou de 1973 a 1985 no Uruguai, não é feriado nem há qualquer celebração militar. Há, sim, reunião nas ruas e atos para a lembrança das vítimas da repressão.

“Em todos os países, há grupos que ainda simpatizam com a ditadura, mas seria disparatado nos dias de hoje pensar que algum Estado estimularia a celebração de seus festejos. Espero apenas que Bolsonaro não lhes dê ideia e isso passe a virar uma tendência na região”, diz Cantón.

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