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A internet e o ninho da serpente

As grandes transformações sociais, políticas, econômicas ou científicas nem sempre emergem de forma estridente. Muitas vezes, embora existentes, os sinais de mudança permanecem invisíveis, até que irrompam e consagrem uma nova tendência tecnológica, um novo modo de comportamento, uma nova realidade social ou política. Foi no dia 29 de outubro de 1969, que se estabeleceu a primeira conexão entre a Universidade da Califórnia e o Instituto de Pesquisa de Stanford. Nascia ali, o primeiro protótipo de Internet no planeta, a Arpanet, precursora da maior revolução do século XXI, cujos desdobramentos foram gradualmente emergindo configurando uma revolução contínua.

Há, também, fenômenos que eclodem, são colocados no limbo e emergem, tempos depois, de um modo inusitado. Foi o que ocorreu com o fascismo, dado por morto após 1945 e que agora ressurge sob uma roupagem que combina antigos e renovados tons. Infortunadamente, em algum momento desse novo milênio, o método que propõe uma divisão binária e maniqueísta entre segmentos sociais específicos encontrou, no advento das redes sociais, um elemento fundamental para ressuscitar, agora com o uso massivo da mentira através da internet, em virtualidade ameaçadora presente nas maiores democracias do mundo. No Brasil, particularidades e circunstâncias políticas, culturais e sociais acolheram, com incontido entusiasmo, práticas que já deveriam estar sepultadas, mas cujo apelo não deve ser subestimado, mas identificado e combatido, sob o aprendizado histórico dos horrores da Segunda Grande Guerra e do Holocausto. Devemos também nos questionar do porquê do encaixe das práticas fascistas neste determinado momento histórico da vida nacional. O resgate de um passado mítico, o uso da mentira como arma política, o anti-intelectualismo e o conspiracionismo paranoico, que estão atualmente servindo de trampolim para o surgimento de lideranças autoritárias e reacionárias em vários países do mundo, reavivam antigos temores e tornam inadiável uma pronta mobilização das forças democráticas.

A conexão entre o papel das mídias sociais na disseminação de mentiras e a ascensão do fascismo moderno é uma constatação manifesta. Mudaram os meios, mas as mentiras parecem novamente intentar substituir a verdade empírica. Urge, portanto, que haja um combate aos seus pressupostos também dentro desse ambiente virtual, não com as armas da mentira, mas da verdade dos fatos. Esse combate, evidentemente, não deve ser obra somente das autoridades constituídas, da classe política ou intelectual, mas da sociedade de modo geral. Pela capilaridade que as redes sociais alcançaram, a disseminação da lógica fascista converteu-se num insidioso veneno, plantado diligentemente por seus adeptos modernos, muitos agindo de modo não reflexivo, uma vez envolvidos pela proliferação de bolhas totalitárias que povoam a Internet. A conjugação de um crescente ressentimento com a falta de oportunidades de trabalho, a competição que vem de fora através de movimentos migratórios, a desilusão pós-moderna que fragmentou e tornou o futuro demasiado incerto, cevou o terreno para o surgimento do messianismo político e de promessas salvacionistas para problemas complexos.

Assim, admitir e reconhecer o ressurgimento do método fascista entre nós é vital para uma reação fundamentada e tempestiva. Esse maior protagonismo de cada um de nós opera, obviamente, com lentes morais únicas, resultado de nossa mundividência, valores, conhecimentos e sentimentos incorporados. O momento que vivemos está totalmente transformado em relação à formação de consensos de convivência. A “ágora” moderna não está mais no banco da praça, mas nas redes sociais. É ali, para o bem e para o mal, que os consensos, as opiniões e os destinos do País estão sendo traçados. Compreender essa nova dinâmica passa a ser essencial para esse novo “modus operandi” da cidadania que se estabelece, com todos os riscos inerentes a essa realidade hoje imposta e que tem no ressurgimento de práticas fascistas entre nós uma das maiores ameaças contemporâneas.

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