Quarta-feira, 23 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 12 de junho de 2019
A 4ª Vara Cível da Comarca de Gravataí (Vale do Sinos), determinou a expedição de alvará para que uma paciente de câncer possa comprar 1.095 cápsulas da fosfoetanolamina sintética. Trata-se da polêmica “pílula do câncer”.
Na ação, a mulher argumentou que o seu estado de saúde é grave, devido ao estágio de evolução da doença em seu organismo. Disse, ainda, ter assinado um termo de consentimento e responsabilidade para o uso compassivo, restando a análise da viabilidade jurídica do pedido.
O pedido de autorização para a aquisição das cápsulas menciona como fornecedor o laboratório PDT Pharma Indústria e Comércio de Produtos Farmacêuticos Ltda. O tratamento previsto é de um ano, prorrogável por igual período.
Responsável pela decisão, a juíza Quelen Van Caneghan sublinhou que solicitações já foram deferidas em casos semelhantes. A magistrada também citou a liminar do STF (Supremo Tribunal Federal) na ADI (ação direta de inconstucionalidade) nº 5.501, determinando a suspensão da eficácia da Lei 13.269/2016, que autoriza o uso da substância fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maliga.
Quelen ressaltou, entretanto, que a pretensão da autora não viola a decisão tomada cauterlamente em sede de controle concentrado de constitucionalidade, porquanto aquela decisão diz respeito com os efeitos abstratos da lei federal, ao passo que o presente pedido refere-se à situação concreta, independentemente da citada legislação.
“Não se pode ignorar que por vezes o tempo da vida não é o tempo do Direito, não sendo dado ao Judiciário obstar ao indivíduo, dentro da esfera da autonomia da vontade, a sua capacidade de autodeterminação, de modo a submeter-se a tratamento de caráter experimental, sob pena de cercear-lhe a expectativa de melhoria em seu quadro de saúde”, ponderou.
A magistrada destaca ainda o direito da autora sobre o próprio corpo: “Ainda que fosse comprovada eventual incapacidade relativa da parte requerente para os atos da vida civil, tal circunstância não obstaria o seu direito ao próprio corpo, cabendo à própria parte a decisão de questões relativas à sua saúde”.
Polêmica
Em 2017, médicos do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo) concluíram que a fosfoetanolamina sintética não funciona como remédio. Desenvolvida pelo químico da USP (Universidade de São Paulo) Gilberto Chierice, a “pílula do câncer” nunca havia sido testada cientificamente em seres humanos até então.
Apesar disso, as cápsulas foram entregues de graça para pacientes por mais de 20 anos. Quando a USP cancelou a distribuição, em 2014, muita gente entrou na Justiça para obter a pílula. Em julho de 2016, o governo paulista decidiu patrocinar uma pesquisa sobre o suposto medicamento.
A pesquisa foi feita com pacientes do próprio Icesp que haviam passado por tratamentos convencionais mas não ficaram curados. Eles passaram a receber doses diárias da fosfoetanolamina e depois foram submetidos a testes no Centro de Pesquisas em Oncologia da instituição.
De 72 pacientes abrangidos no estudo, 59 foram reavaliados e, em 58, não houve qualquer sinal de melhora. A intenção inicial era envolver 200 voluntários, mas a chamada de novos pacientes foi suspensa depois dos primeiros resultados.
A eficácia foi testada para tumores na cabeça e pescoço, pulmão, mama, colo uterino, próstata, pâncreas, estômago, fígado. O câncer colorretal teve o maior número de pacientes, 21. Só no caso de melanoma, câncer de pele, um paciente teve redução do tumor, mas os médicos não sabem se foi por ação da pílula ou por outro motivo.
Ao divulgarem os resultados, os pesquisadores manifestaram preocupação com o fato de muitos pacientes estavam abandonando os tratamentos convencionais para optar apenas pela fosfoetanolamina.
(Marcello Campos)