O policial ferido durante o serviço deve receber indenização do Estado enquanto empregador, já que atividades de risco inerente à atividade atraem a responsabilidade objetiva e não a subjetiva. Com este entendimento, o TJ (Tribunal de Justiça) do Rio Grande do Sul confirmou uma sentença que condenou o governo gaúcho a compensar um delegado ferido em confronto com traficantes em Caxias do Sul (Serra).
A 9ª Câmara Cível do órgão manteve o valor da reparação por danos morais em R$ 50 mil, mas diminuiu a reparação pelos danos estéticos, que baixou de R$ 50 mil para R$ 20 mil.
O relator da apelação, desembargador Eugênio Facchini Neto, afirmou que a obrigação de indenizar prevista no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, se aplica também à responsabilidade complementar dos empregadores, nos casos de acidentes de trabalho que se desenvolvam em condições de periculosidade inerente.
Acontece que, segundo a Constituição Federal, não se pode considerar dolo ou culpa com um ‘‘teto’’, mas como ‘‘piso mínimo’’ de proteção do trabalhador. Assim, nada impede que a legislação infraconstitucional amplie a proteção devida ao trabalhador, elo frágil da cadeia produtiva.
Ainda conforme o relator, o STF (Supremo Tribunal Federal), ao julgar o recurso, decidiu que o empregador tem responsabilidade civil objetiva em acidentes de trabalho nas atividades de risco inerente:
‘‘A atividade policial traz inerentes riscos aos policiais. E dentre estes riscos está o de os agentes serem surpreendidos por suspeitos e terem sua integridade física diretamente afetada. Não por outra razão há pagamento de verbas indenizatórias de antemão aos servidores públicos que exercem tais atividades’’.
Relato
O delegado da Polícia Civil Marcelo Grolli acabou baleado nas duas pernas e no braço direito durante uma perseguição a suspeitos de tráfico de drogas em Caxias do Sul, no dia 7 de outubro de 2011. Para se recuperar das lesões, ele precisou se submeter a 16 cirurgias e a tratamento de transtornos pós-traumáticos e de ansiedade decorrentes do incidente.
Na inicial indenizatória, ajuizada cinco anos depois do tiroteio, ele argumentou que o fato de o Estado ter bancado os procedimentos cirúrgicos importa no reconhecimento de sua responsabilidade pelos danos sofridos. Pediu, então, R$ 50 mil de indenização para a reparação dos danos estéticos (cicatrizes) e outros R$ 50 mil por danos morais. Pressuposto: o fato que gerou os danos se enquadra como acidente de serviço, conforme reconhecido pela Resolução 51.868 do Conselho Superior de Polícia.
Citado pela 2ª Vara da Fazenda Pública de Caxias do Sul, o estado apresentou contestação, alegando, inicialmente, que a exposição ao risco é inerente à profissão de policial civil. Afirmou que o caso requer a aplicação da responsabilidade subjetiva, e não objetiva. Assim, antes de se falar em indenização, é preciso analisar elementos como conduta, dano, nexo causal e culpa do estado.
Em síntese, é preciso a comprovação de conduta omissa por parte do Estado e sua culpa para o ocorrido, bem como o nexo causal entre o dano e a atuação estatal.
A juíza Maria Aline Vieira Fonseca julgou totalmente procedente a ação, inclusive acolhendo os valores sugeridos para o quantum indenizatório. Nas razões de decidir, a julgadora observou que, nas ações que envolvem segurança pública, a jurisprudência do STJ (Superior Tribunal de Justiça) sinaliza que cabe ao empregador – o governo gaúcho – demonstrar o correto e adequado cumprimento das normas de segurança.
Ou seja, o Eestado tem o ônus de provar que adotou os meios suficientes e adequados para assegurar a preservação da integridade física do seu servidor, respeitando as normas de segurança e medicina do trabalho, a fim de evitar ou diminuir o risco de lesões.
Ainda de acordo com a avaliação da magistrada, a falta de treinamento técnico e o pequeno número de policiais destacados para um serviço de alta complexidade, como o de combate a uma quadrilha de traficantes de drogas, contribuíram para o evento danoso.
(Marcello Campos)