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“A Justiça Militar precisa de mais mulheres”, disse a ministra Maria Elizabeth Rocha, do Superior Tribunal Militar

Para a ministra, indicada ao cargo pelo presidente Lula em 2006, o 8 de Janeiro é "uma ferida aberta que vai custar para cicatrizar". (Foto: EBC)

O STM (Superior Tribunal Militar) foi fundado poucos meses depois que a Família Real portuguesa chegou ao Brasil, em 1808. Embora não tenha recebido sempre o mesmo nome, sempre foi a Corte responsável por julgar crimes que a lei considerasse como de âmbito militar.

A ministra Maria Elizabeth Teixeira Rocha, nomeada em 2009, foi a primeira mulher da história do Brasil a ocupar uma cadeira no tribunal. Está lá até hoje, e continua ostentando o título de única ministra do STM da história. Isso não é pouca coisa.

Ela também é conhecida por seus posicionamentos garantistas, que a levam a entender que nem todas as condutas que agridem os princípios da hierarquia e da disciplina são crime. Em um tribunal cuja maioria das cadeiras é ocupada por integrantes das carreiras que se orgulham do rigor com que aplicam as leis, ser garantista significa ser voto vencido.

Um posicionamento derrotado famoso dela é a favor da possibilidade de suspensão condicional da pena a casos de deserção se ficar demonstrado que o réu faz jus ao benefício. Mas o artigo 88 do CPM (Código de Processo Penal Militar) impede e é aplicado literalmente pelo STM.

Em entrevista ao site Consultor Jurídico (www.conjur.com.br), a ministra – que presidiu o tribunal entre 2013 e 2015 – explica que o posicionamento de seus colegas é prova de que as críticas a uma suposta leniência da Justiça Militar em relação a oficiais é “um mito”.

Ela defende a Lei 13.491/2017, que transfere para a Justiça Militar a competência para julgar crimes dolosos contra a vida de civis cometidos por militares. De acordo com a ministra, a Justiça Militar terá de se adaptar, já que a Constituição prevê expressamente que réus por homicídio devem ser julgados pelo júri.

Mas essa mesma lei permite aos tribunais militares aplicarem mecanismos externos ao CPM, como algumas medidas da Lei Maria da Penha. Uma esperança para as mulheres militares vítimas de violência doméstica, já que o STM entende que não existe esse tipo penal no CPM, e os agressores acabam respondendo por lesão corporal, infração cujas penas são bem mais brandas e não preveem medidas protetivas às vítimas.

Como é o seu dia-a-dia como única mulher da corte?

“Eu fui muito bem recebida aqui. Não vou dizer que não existem discriminações, sobretudo, por incrível que pareça, de colegas civis. Os militares sempre tiveram uma postura muito cordial, muito respeitosa e eu nunca tive nenhum tipo de atrito. Mas com os civis a relação pode ser muitas vezes delicada”.

Em que sentido?

“Às vezes, tem brincadeiras infelizes, que “o melhor movimento feminista é o dos quadris”, essas coisas assim. De vez em quando você escuta isso, mas não tem o condão de te ofender. Não é uma ação contra a presença feminina. Os homens estão acostumados a brincar dessa maneira. O problema é quando vai além, aí é que a questão se complica. E aí é o que eu sempre digo: esses embates me tornam mais determinada a prosseguir e a não me acovardar. Lidar com discriminação de gênero é um embate que todas as mulheres têm, em qualquer instituição. E nós temos que enfrentar isso de cabeça erguida”.

Ter outra mulher no tribunal mudaria esse cenário? 

“É muito importante que tenha mais mulheres na Justiça Militar. Na primeira instância, que elas entram por concurso público, de provas e títulos, em que o acesso é meritório, existem muitas mulheres. Agora no STM, uma corte superior com ingresso nos mesmos moldes do Supremo Tribunal Federal, com escolha política, em 209 anos não tiveram essa sensibilidade.

Indicaram-me quando o tribunal completou 200 anos e eu já estou aqui há 11 anos e nenhuma outra veio ocupar uma cadeira. É claro que dez das cadeiras são reservadas aos ministros militares. Os generais têm que ser do último posto e patente do oficialato.

São todos quatro estrelas e as mulheres só vão conseguir ascender ao generalato de quatro estrelas daqui a 30 anos, porque só agora as academias abriram as portas para as mulheres ingressarem.

As mulheres podiam ingressar na Marinha, por exemplo, mas não poderiam ingressar na armada, e os almirantes de quatro estrelas só saem da armada. Na Aeronáutica, as mulheres sempre entraram para a aviação, mas ainda vai levar um tempo para elas serem promovida. A Marinha só admitiu ingresso na academia no final do ano passado. E no Exército as mulheres só entraram para a Academia Militar das Agulhas Negras também no ano passado.

Mas há cinco vagas destinadas aos civis, que é onde elas têm mais chances. É preciso que o presidente da República tenha sensibilidade para perceber que há poucas mulheres não só no STM, mas em todos os tribunais superiores. Nós somos 15 ao todo, 15 num universo de 102 ministros. São seis no TST, seis no STJ, duas no Supremo e eu no STM”.

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