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Colunistas A natureza corruptiva do poder

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Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

O que você faria se tivesse poder absoluto e a certeza de que nunca sofreria qualquer punição? Será que você deixaria os seus desejos mais sombrios guiarem suas ações? Platão, um dos filósofos mais influentes da história, apresentou em sua obra “A República” uma metáfora sobre esse tema que permanece relevante até hoje: o anel de Giges. No mito, Giges, um pastor de ovelhas, encontra um anel que lhe concede o poder de se tornar invisível sempre que desejar. Com essa relíquia em mãos, ele comete atos condenáveis, como conspirar e matar o rei da Lídia, assumindo o seu poder político sem represálias. Platão usa essa história para questionar se as pessoas seriam moralmente íntegras se tivessem a certeza de que não seriam descobertas.

A história de Giges nos leva à clássica pergunta: o poder corrompe? Certamente um poder extraordinário oferece inúmeras oportunidades para agir livremente, sem expectativas de repreensões. Contudo, isso não é a causa da derrocada da “bondade humana” ou do “senso de justiça”. Neste caso, o poder está apenas revelando desejos já existentes, dado que, na ausência de consequências, o comportamento perverso prevalece. Ou seja, o poder somente traz à luz a fragilidade ética e os impulsos sombrios da nossa natureza. Quando alguém obtém poder, as tentações de benefícios pessoais fáceis, somadas à certeza de impunidade, podem degradar a maquiagem superficial dos discursos éticos. Ética não é discurso; é reflexão e ação.

Alguém poderia pensar, então, que o medo das consequências punitivas é a verdadeira bússola moral da nossa sociedade. Essa é uma crença simplista que muitos políticos e influenciadores querem que a população brasileira aceite, especialmente em ano eleitoral. Contudo, uma solução eficaz vai muito além dessa visão estreita. O aumento desmedido dos mecanismos repressivos apenas impulsiona o poder coercitivo daqueles que já o detêm. E, quanto mais poder uma pessoa acumula, maiores são as chances dela abusar de seus privilégios.

Por isso, a chave para amortecer a corrupção humana passa por limitar o poder a que uma pessoa pode ter acesso! Sim, o poder não é o culpado direto pelos desvios éticos, mas é o ambiente adequado para eles florescerem.

No mundo contemporâneo, vemos exemplos claros da interação entre poder e uma cultura de perversão: violência doméstica, assédio no trabalho, escândalos políticos, fraudes corporativas e abusos agressivos de autoridade, por exemplo. Esses comportamentos são comumente tolerados ou justificados. Enquanto algumas empresas e administrações públicas têm se empenhado para implementar medidas de transparência, outras só querem as sombras da invisibilidade. Não se enganem, sabemos o que eles querem ao tapar as câmeras nos uniformes de agentes públicos, colocar sigilos centenários em informações de interesse nacional ou silenciar a imprensa; querem o “anel de Giges”. A invisibilidade é a ausência de consequências para malfeitos, ou seja, é poder absoluto.

O mito de Giges nos lembra da vulnerabilidade humana frente ao poder, nos desafiando a refletir sobre nossa própria natureza e a importância de cultivar uma ética pessoal sólida. No entanto, se quisermos expurgar a cultura do jeitinho, do suborno e da violência que permeia o cotidiano brasileiro, precisamos também limitar urgentemente as assimetrias de poder tão enraizadas em nossa sociedade.

João Centurion Cabral – Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e Coordenador do Laboratório de Neurociência Social da Universidade Federal do Rio Grande (FURG)

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https://www.osul.com.br/a-natureza-corruptiva-do-poder/ A natureza corruptiva do poder 2024-06-21
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