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A participação da Argentina no G20 se tornou um entrave para os planos de Lula e ameaça levar a reunião de líderes globais no Rio a um fracasso diplomático

Próximo de Trump, Milei abriu ao menos cinco frentes de embate no G20. (Foto: Reprodução)

A participação da Argentina no G20 se tornou um entrave para os planos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ameaça levar a reunião de líderes globais no Rio a um fracasso diplomático. A derrubada do comunicado oficial do grupo seria um revés político na conta de Lula a ser festejado pelo presidente argentino, Javier Milei.

Sob o comando do ultraliberal Milei, agora respaldado politicamente pelo retorno de Donald Trump ao poder nos EUA, a Argentina passou a apresentar pedidos de rediscussão de temas, recuou no apoio dado à proposta de taxação de mais ricos e indicou que pode mais uma vez barrar acordos na reta final da Cúpula de Líderes no Rio, que ocorre nesta segunda e terça-feira. Milei foi recebido por Trump em sua mansão de Mar-a-Lago, na Flórida, na quinta-feira (14), no primeiro encontro do republicano com um líder estrangeiro desde que foi eleito novamente, no dia 5.

No Rio, a equipe de Milei abriu ao menos cinco frentes de embate: multilateralismo, gênero, desenvolvimento sustentável, meio ambiente e tributação de grandes fortunas.

Integrantes do governo brasileiro e de demais países veem impactos no retorno de Trump no G20 e entendem que a afinidade de posições com americano dá respaldo para o que o libertário argentino ponha em marcha uma agenda de conflitos.

Embora sempre tenha ido às cúpulas do G20, Trump tem como marca o isolacionismo e um histórico de questionamento a instituições como ONU, OMC e Otan.

O que se vê no momento é um embate da agenda proposta pelos países do Ibas – formado por Índia, Brasil e África do Sul – com as ideias que Trump defende.

Entenda

Quando uma cúpula multilateral é concluída sem comunicado comum, diplomatas reconhecem que houve um fracasso. Nesses casos, a mensagem final é assinada pelo país que preside o grupo – agora o Brasil – registrando os pontos de acordos e desacordos. Outra solução seria obter um aval para que a declaração conjunta seja aprovada, mas com parágrafos inseridos para informar sobre a discordância de uma delegação em determinado tema. Isso ocorreu com o capítulo sobre clima durante o governo Trump, no G20 de Osaka, Japão, em 2020.

Esse cenário, porém, ainda é considerado remoto no Rio. Diplomatas dizem que há uma enorme pressão sobre Milei, de todos os outros países, para evitar o colapso da declaração conjunta. Lula e Milei são rivais e trocaram ofensas e provocações. Jamais se reuniram para conversar – e pedidos do libertário foram ignorados pelo petista. Diante da ausência de diálogo, o presidente francês, Emmanuel Macron, aliado de Lula, viajou para Buenos Aires para tentar convencer Milei a mudar sua posição.

Um experiente embaixador europeu disse nunca ter visto uma atuação “tão radical” como a dos argentinos e classificou sua participação como de “baixíssimo nível”.

Blitze

Depois de bloquear uma declaração ministerial em outubro do grupo de Empoderamento Feminino no G20, agora a delegação de Milei pretende retroceder nos termos da linguagem usado no rascunho do comunicado final.

Os europeus relataram que mesmo países do G20 nos quais a igualdade de gênero é um tema atrasado – como Arábia Saudita e Egito – têm exposto uma posição mais discreta e caminham para maior inclusão, enquanto a Argentina parece andar no sentido inverso. Os argentinos querem retirar menções a violência sexual e feminicídios, segundo um embaixador.

Ao longo deste ano, o governo Milei atuou de forma similar em fóruns regionais como OEA e Mercosul. Mais recentemente, ele abandonou as discussões sobre clima na COP29, no Azerbaijão, e deixou de assinar o documento final sobre mudanças na ONU, o Pacto pelo Futuro.

Constrangimento

O ex-senador Federico Pinedo, negociador-chefe da delegação da Argentina no G20, se negou a revelar quais são as objeções levantadas pelo governo Milei e se queixou do vazamento de informações por outros sherpas, jargão diplomático para os embaixadores trancados há cinco dias num hotel anexo ao Aeroporto Santos Dumont. “Somos sérios, se há outros que não são, lamento”, disse o representante de Milei.

A reclamação de Pinedo foi vista pelo governo brasileiro como sinal de “vergonha pelo papel que desempenham”. A chancelaria argentina passou por recente troca de comando – Milei demitiu a economista Diana Mondino e nomeou ministro o empresário Gerardo Werthein.

A única iniciativa da presidência brasileira que pode passar ao largo da blitze de Milei é a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza. O projeto não precisa da aprovação de todos os países do G20.

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