Embora a necessidade de readaptação das cidades para suportar eventos climáticos extremos seja um consenso entre técnicos há anos, o tema sempre ficou esquecido nas campanhas eleitorais para cargos legislativos e principalmente em eleições para prefeitos, governadores e presidentes.
Após a tragédia das chuvas que inundaram a maior parte do Rio Grande do Sul há um mês, no entanto, existe a expectativa de que o assunto ganhe protagonismo no debate.
“Se não for agora, não vai ser nunca mais. A tragédia no Rio Grande do Sul é o maior desastre da História do Brasil”, avalia o pesquisador e tecnologista da sala de situação do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), Pedro Ivo Camarinha. “Mesmo que o número de municípios severamente impactados e os prejuízos econômicos causados pelo mesmo evento são inéditos. No balanço final, é possível que seja pior do que foi com o furacão Katrina, em New Orleans, nos EUA [em 2005].”
Para ele, a cobertura extrema da tragédia e a mobilização da sociedade em favor dos afetados pelas chuvas intensas abrem uma janela de oportunidade para que os candidatos percam o receio de abordar o tema com os eleitores.
“De certa forma, é uma oportunidade de os políticos usarem isso para criar programas e políticas direcionadas à adaptação das cidades, inclusive para que consigam vencer eleições. O importante, obviamente, é que não fiquem apenas na narrativa e que olham para isso com a devida preocupação”, diz Camarinha. “Isso vai ficar cada vez mais óbvio para a população, o que ajudará a ir colocando [no poder] prefeitos, governadores, presidentes, senadores e deputados alinhados com essa questão.”
Na Comunitas, ONG que presta suporte a governos para implementação de soluções em diversas áreas, a leitura é a de que os candidatos não poderão mais evitar a pauta do meio ambiente.
“Não tem mais como fugir do que está acontecendo”, acredita Dayane Reis, diretora de conhecimento e inovação da ONG. “A tragédia no Rio Grande do Sul tem o potencial de ser um catalisador bastante significativo para a inclusão dessa pauta de adaptação climática na agenda política não só desta eleição, mas de todas as próximas.” Para ele, “a sociedade mesmo vai fazer pressão e vai passar a cobrar os candidatos”.
Segundo o coordenador de articulação política da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP) Jeconias Rosendo da Silva Júnior, a adaptação das cidades às mudanças climáticas é um tema que, ao menos nos bastidores, já preocupa boa parte dos prefeitos brasileiros de forma mais séria desde 2022, quando fortes chuvas na Região Metropolitana de São Paulo atingiram fortemente Francisco Morato e Franco da Rocha, duas cidades que cresceram aceleradamente nas últimas décadas com muita gente ocupando áreas de encostas vulneráveis a deslizamentos.
“Depois desse episódio, os prefeitos ficaram muito angustiados, o que nos levou a instaurar uma comissão permanente com mais de 50 municípios para observar cidades sujeitas a desastres. Portando, a agenda climática já havia subido de nível nas prioridades.”
Jeconias aponta que a tragédia no Sul vai finalmente levar a questão ao centro do debate não apenas nas próximas eleições municipais como também para os governos estaduais e federal em 2026. O executivo, que apoia prefeitos de todo o País na formulação de políticas públicas, chama a atenção para a necessidade de desenhar uma estrutura bem planejada que transforme intenção em prática.
Ele defende uma governança climática multinível. “O ponto fundamental dessa questão não se limita aos planos de adaptação climática municipais – embora eles sejam imprescindíveis. O aspecto fundamental está na articulação desses planos com as estratégias estaduais e federais”, alerta Jeconias. “O País necessita, urgentemente, de um pacto sobre federalismo climático que defina claramente o papel de cada ente governamental e direcione estrategicamente os investimentos necessários para tornar nossas cidades mais resilientes.”