A Procuradoria-Geral da República (PGR) pretende apresentar mais de uma denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra os 40 indiciados no inquérito do golpe. A ideia é dividir as acusações que atingem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), os ex-ministros Braga Netto, Augusto Heleno e outros 37 envolvidos no caso de acordo com os “núcleos” da “organização criminosa”, mas não necessariamente com os nomes usados pela Polícia Federal para batizar esses grupos.
A estratégia do “fatiamento” tem sido discutida pelo Ministério Público Federal para facilitar a instrução do processo e tornar mais rápido o julgamento da tentativa de golpe, que previa o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin e do ministro do STF Alexandre de Moraes.
A intenção do procurador-geral da República, Paulo Gonet, é oferecer as denúncias ao Supremo até março do ano que vem. Se tudo correr como previsto nos bastidores da Corte, o veredicto com a provável condenação de Bolsonaro sairá ainda em 2025, antes do ano eleitoral de 2026.
O ex-presidente está inelegível até 2030, mas afirma que concorrerá à sucessão de Lula. Seu objetivo, porém, é barrar outros possíveis postulantes, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), para mais adiante emplacar a candidatura de seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
No relatório final das investigações, a PF identificou seis núcleos de atuação para pôr de pé o plano intitulado “Punhal Verde Amarelo”. São eles: Desinformação e ataques ao sistema eleitoral; Núcleo responsável por incitar militares a aderirem ao golpe de Estado; Jurídico; Operacional de apoio às ações golpistas; Inteligência paralela e Núcleo de oficiais de alta patente com influência e apoio a outros núcleos.
Alguns militares indiciados no inquérito constam de mais de um núcleo, como é o caso do tenente-coronel Mauro Cid – que foi ajudante de ordens de Bolsonaro e fez delação premiada – e também do próprio Braga Netto. Homem forte do governo do capitão, o general foi chefe da Casa Civil, ministro da Defesa, candidato a vice na chapa da reeleição, em 2022, e hoje está preso.
O destino de Bolsonaro no contexto das investigações tem sido alvo de especulações diversas em Brasília. Em conversas reservadas, ministros ouvidos pelo Estadão disseram não haver, neste momento, motivo para a decretação da prisão do ex-presidente agora. Isso só ocorrerá se ele tentar impedir ou embaraçar as investigações em curso como fez Braga Netto, segundo Moraes.
Após se reunir com Lula anteontem, em São Paulo, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, admitiu que a situação envolvendo militares causa constrangimento. O julgamento dos acusados será conduzido pela Primeira Turma do Supremo, conhecida como “câmara de gás”, tendo Moraes como relator. “Nós desejamos que todos esses que estão envolvidos respondam à Justiça. Isso é necessário e precisa acabar, para que a gente olhe para a frente”, afirmou Múcio ao jornal O Estado de S. Paulo.
Ameaçada
Quase dois anos após o 8 de janeiro de 2023, uma pesquisa feita pelo Observatório da Democracia da Advocacia-Geral da União (AGU) e pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) com 3 mil pessoas, entre 30 de novembro e o último dia 5, chamou a atenção do Palácio do Planalto.
Para 70% da população, a democracia está ameaçada no Brasil, embora seja preferível “a qualquer outra forma de governo”. Além disso, 55% dos entrevistados se disseram insatisfeitos com o funcionamento da democracia aqui.
O Congresso lidera o ranking da desconfiança nas instituições para 78% dos consultados, seguido por um empate técnico de quem diz não confiar no governo federal (56%) e no Supremo (55%). Mais da metade (59%) dos entrevistados acredita que o Brasil sofreu risco de golpe.
De qualquer forma, enquanto a Procuradoria-Geral da República tenta evitar que o julgamento dos acusados se prolongue como o do mensalão, a tendência dos advogados de defesa será misturar todos os “núcleos”. Alguns deles já ensaiam o discurso da “traição”. (Estadão Conteúdo)