Os parlamentares costumam fazer críticas ao que consideram interferência do Judiciário em assuntos do Legislativo, mas a reforma política poderá ser o próximo assunto que acabará nas mãos dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), por falta de ação dos próprios deputados.
O alerta foi feito pelo presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Gilmar Mendes, em encontros com congressistas para tratar da votação da reforma política pela Câmara. O tema que poderá migrar do Legislativo para o Judiciário é o que trata das coligações entre os partidos nas eleições proporcionais.
Essa é considerada uma das principais disfunções do sistema eleitoral brasileiro, uma vez que os eleitores escolhem para representá-los na Câmara deputados de uma linha ideológica e podem acabar elegendo outros, com bandeiras muito distintas. Em 2010, por exemplo, os eleitores de São Paulo que votaram em Tiririca (PR) para deputado acabaram ajudando a eleger Protógenes Queiroz (PCdoB).
Além disso, a avaliação majoritária hoje no STF é que as coligações partidárias foram focos de irregularidades apontadas pelas próprias investigações da Lava-Jato e que não seria possível manter o atual sistema na eleição de 2018.
O caso seria discutido usando uma brecha em ação já em análise no STF, caso a Câmara não consiga avançar na votação da reforma política. O alvo é uma ação ajuizada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que trata da distribuição das vagas decididas pelo atual modelo.
Novela interminável
A três semanas do fim do prazo para aprovar e sancionar qualquer mudança na legislação, a reforma política ganhou contornos de novela na Câmara. Os parlamentares não vencem o impasse, e a próxima semana é considerada a última para alguma votação, até porque depois a pauta será paralisada com a chegada da segunda denúncia do MPF (Ministério Público Federal) contra o presidente Michel Temer.
Em recente entrevista à imprensa, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que o STF poderia mudar as regras de coligações em eleições proporcionais se for apresentada ação questionando as normas. “As coligações violam a Constituição. Se o PT se coligar em determinada eleição com o PRB, quem votou em uma líder feminista pode estar elegendo um pastor evangélico ou vice-versa”, exemplifica. “Isso é uma fraude ao princípio representativo, é inconstitucional. Se o Congresso não mudar, o Supremo pode.”
Outros ministros da Corte também já se pronunciaram publicamente contra a regra da coligação proporcional, embora não tenham deixado explícito se a Corte pode alterar a lei em vigor. Recentemente, o ministro do STF Ricardo Lewandowski disse concordar com a mudança na regra.
“Queremos o melhor sistema possível. O sistema atual provou-se falho, evidentemente. O voto proporcional com coligações tem apresentado distorções reconhecidas pelos especialistas, pelos políticos. Isso precisa ser modificado”, disse o magistrado.
Único ministro indicado pelo presidente Temer, Alexandre de Moraes é mais um a reclamar da regra em vigor na disputa eleitoral: “O nosso sistema infelizmente não funciona mais, porque cometemos o erro de adotar o sistema proporcional com coligação partidária sem uma cláusula de desempenho. É hora de fazer uma reforma, mas, ao que me parece, não chegaremos a um bom termo, seja pelo que vem sendo discutido ou pelo pouco tempo para aplicar na eleição do ano que vem”.
Impasse
Na última quarta-feira, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tentou votar as propostas de reforma política, porém o resultado, mais uma vez, foi um fracasso. Nesta terça-feira, haverá uma nova tentativa.
Há duas PEC (proposta de emenda à Constituição). A relatada pela deputada Shéridan Oliveira (PSDB-RR) trata justamente do fim das coligações nas eleições proporcionais e da adoção de uma cláusula mínima de desempenho para os partidos. Já a relatada por Vicente Cândido (PT-SP) quer mudar o sistema eleitoral e criar um fundo público para políticos.