Uma associação de pacientes do Rio de Janeiro está fornecendo óleo de maconha medicinal para um grupo de pessoas mesmo sem autorização judicial para isso. Chama a prática de “desobediência civil pacífica” e já a declarou, inclusive, para a Justiça.
Presidida pela advogada Margarete Brito, a Apepi (Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal) ensina famílias a cultivar a maconha, faz a ponte entre médicos e pacientes e tem parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) em eventos e pesquisas sobre o tema.
Margarete é mãe de Sofia, 10, que tem uma síndrome rara (CDKL5). Ela foi a primeira do país a obter aval da Justiça para cultivar Cannabis em casa e dela extrair o remédio para aliviar as convulsões da filha.
Isso foi em 2016. A história inspirou outras pessoas com problemas de saúde, que hoje são associadas da Apepi.
Agora, Margarete decidiu extrapolar o seu habeas corpus individual e passou a produzir óleo de Cannabis para 18 pacientes de famílias de baixa renda, que não têm condições de importar o produto.
Seu advogado, Ladislau Porto, ingressou com ação na Justiça Federal pedindo uma liminar que autorize a associação a plantar e a produzir legalmente o óleo para os pacientes associados — da mesma forma como ocorre com outra associação de pacientes em João Pessoa (PB).
“Na ação judicial, informei o juiz que a gente já planta para os associados. Eu disse: ‘a gente entende isso não como um crime, mas, sim, uma desobediência civil pacífica em razão do estado de necessidade dessas pessoas, que estão em busca do direito à vida, a garantia maior constitucional.”
Para o advogado, o juiz está numa porta sem saída. “Ou ele prende todo mundo por tráfico ou associação ao tráfico ou ele… São vidas salvando vidas. Ou são pais cuidando de filhos ou filhos cuidando de pais. Não é brincadeira de garoto. É um negócio sério.”
O plantio acontece no quintal da casa de Margarete. As plantas, de quatro tipos diferentes, que produzem CBD (que não dá barato) e THC (que tem efeito psicoativo).
Mesmo ciente que corre riscos com a “desobediência civil pacífica”, a advogada diz que continuará plantando e fornecendo o óleo para os pacientes com ou sem autorização da Justiça. “Sabemos que não estamos acima do bem e do mal, mas vamos seguir com esse trabalho de resistência.”
A ação segue em segredo de Justiça, e o magistrado aguarda mais informações da União e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) sobre o assunto.
Na última quinta-feira (26), a comissão de direitos humanos do Senado aprovou relatório favorável a uma proposta que regulamenta a Cannabis medicinal no Brasil, que agora passa a tramitar como um projeto de lei, seguindo para comissões de assuntos sociais e de constituição e justiça, antes de ser votada em plenário.
Apesar dos avanços de estudos sobre o uso medicinal da maconha, ainda faltam evidências científicas mais robustas que atestem a eficácia e a segurança dos tratamentos, segundo revisões sistemáticas da Cochrane, rede de cientistas independentes que investiga a efetividade de terapia.
Na Apepi, mais de 300 pessoas já aprenderam sobre cultivo da maconha medicinal. A associação também ministra cursos voltados a médicos sobre a prescrição da Cannabis.
Margarete diz lamentar a polêmica que envolve hoje a proposta de regulação do plantio da maconha medicinal pela Anvisa, que corre o risco de não sair por pressões do Planalto.
“É muito triste. Continuará deixando grande parte dos pacientes na ilegalidade”, diz ela.