Terça-feira, 29 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 14 de julho de 2015
A rotina é para a vida inteira. Todos os dias, a designer Melissa Vianna toma um comprimido pela manhã. Fora a necessidade de manter o hábito com rigor, o dia dela nada tem de excepcional. Se divide entre família, trabalho e lazer. Excepcional é o medicamento.
Melissa depende de um único comprimido diário para viver. O comprimido de aparência corriqueira faz parte de uma classe de remédios que transformou o tratamento do câncer. Salva gente para quem a medicina convencional nada oferece. Quinze anos após o anúncio do sequenciamento do genoma humano, drogas assim, as chamadas terapias-alvo, começam a tornar realidade promessas deste que é considerado um dos maiores feitos científicos da Humanidade. As promessas continuam a superar por larga margem os resultados concretos. Mas estes representam vida – e com qualidade – para um grupo crescente de pacientes, como Melissa. Ela não perde o sorriso nem a esperança de que a medicina avance e lhe dê mais do que uma droga que de tão nova ainda é incerta. E ofereça também preços mais acessíveis do que os 32.780 reais que o tratamento com terapia-alvo custa por mês, pagos pelo plano de saúde após uma ação na Justiça.
O câncer é, desde o princípio, um dos alvos principais da pesquisa do genoma. O nome que ainda inspira medo e traz estigma engloba mais de cem tipos de doenças. De fato, cada pessoa com câncer tem uma doença tão única quanto o seu DNA. É o conhecimento dessas particularidades que tem produzido avanços. Hoje, o câncer é a segunda maior causa de morte não violenta no Brasil, atrás apenas das doenças cardíacas. Os números continuam a crescer não somente devido ao envelhecimento da população, mas ao surgimento de casos em pessoas mais jovens com causas tão variadas quanto misteriosas, indo do tabagismo a mutações e fatores ambientais.
Melissa, 53 anos, é um desses casos cuja causa permanece misteriosa. Um dia, há pouco mais de dois anos, começou a sentir falta de ar e uma sensação de peso sobre o coração ao se deitar do lado esquerdo. Pensou que fosse refluxo porque já havia sofrido disso antes. Tratou. Não melhorou. O médico pensou que os pulmões estavam bem, pois nos exames clínicos não havia sinais de complicação. Pediu uma radiografia. Quando esta ficou pronta, quase não se viam os pulmões, ocultos por uma mancha branca. De início, o médico, um clínico, cogitou uma tuberculose. Um amigo pneumologista entrou no caso. Pediu uma tomografia. O resultado, uma massa no mediastino. A desconfiança: câncer de pulmão. Fez-se uma biópsia. O resultado: um adenocarcinoma de pulmão, inoperável por estar atrás do coração.
Melissa teve apoio. O mais velho dos dois filhos, de 30 anos, foi morar com ela. O marido esteve o tempo todo presente e os amigos não faltaram. Mas o prognóstico não mudava. Ela também encontrou frieza na médica, que lhe disse só restar uma quimioterapia agressiva. Ela procurou um outro oncologista, mais humano, que também lhe recomendou sessões de quimioterapia. Foi-se a saúde, ficou o tumor.
Chegou então ao oncologista Carlos Gil. Este insistiu no diagnóstico molecular. O outro médico dizia que era “bobagem” e que “não levaria a nada”. Mas Gil queria saber a “identidade” do tumor, os genes mutados ligados à doença. Se ela fosse descoberta, poderia haver uma terapia-alvo. Melissa fez dois exames no Brasil e um nos EUA, e o resultado foi inconclusivo. O médico não desistiu e mandou uma amostra do tumor para o Japão.
Para isso, foi preciso fazer uma nova cirurgia, para coletar, mais uma vez, um pequeno pedaço do tumor. Mas então ele revelou sua essência. Tinha uma mutação chamada Ros1. Esse tipo de mutação responde por menos de 2% dos casos de adenocarcinoma. Mas para a Melissa há uma droga específica, a crizotinib. “Fiquei muito feliz. Tinha esperança. Mas fui orientada a buscar imediatamente um advogado para conseguir autorização da Anvisa (o medicamento não era liberado aqui) e o pagamento pelo plano. E ainda é preciso contratar uma importadora”, destaca.
O medicamento que salva Melissa chega por Sedex, entregue todos os meses em sua casa. Com ele, o direito de uma vida normal. Em dois meses de tratamento, iniciado em novembro de 2014, o tumor havia desaparecido no exame de imagem. Junto com ele e o fim da quimioterapia, todos os sintomas. De volta, os cabelos, o bem-estar e a vida normal. (AG)