BrasilA rotina no cercadinho do Palácio da Alvorada depois da saída dos jornalistas
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Redação O Sul
| 11 de junho de 2020
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A ausência de parte da imprensa havia aberto espaço para um contato mais próximo de Bolsonaro com seus seguidores mais fiéis. (Foto: Reprodução de vídeo)
A manhã de quarta-feira (10) foi atípica para quem acompanhava a saída de Jair Bolsonaro de sua residência, o Palácio da Alvorada. Acostumados a observar as agressões verbais do presidente a jornalistas, quem estava presente viu uma cena incomum: Bolsonaro destratando uma apoiadora — ou ex-apoiadora.
Cristiane Damo Bernart, assessora do gabinete do vereador de São Paulo Fernando Holliday (Podemos), foi até o local cobrar de Bolsonaro explicações sobre a gestão da pandemia e sobre a entrada de membros do centrão no governo.
“Como chefe da nação, eu votei no senhor, eu fiz campanha para o senhor, acho até que o senhor me conhece. Canal Cris Bernart. Eu sinto que o senhor traiu nossa população”, disse a mulher. A apoiadora continuou falando, até que ouviu do presidente: “Se quiser falar, sai daqui, porque já foi ouvida. Cobre do seu governador. Sai daqui”, esbravejou o presidente.
Cristiane Bernart disse que sua ida ao Palácio foi espontânea e que se sente frustrada com o governo. Membro do Movimento Brasil Livre (MBL), ela afirmou que o grupo, que faz oposição ao presidente, não a forçou a nada. Mas a postura do presidente se mostrou emblemática porque ele não sabia quem era ela antes de destratá-la em razão das críticas. Com as manifestações contrárias ao presidente escalando a cada fim de semana, o lugar cativo dos apoiadores na entrada do Palácio poderá estar em risco, conforme a pré-disposição do presidente em ouvir críticas se arrefecer ainda mais.
A dinâmica no Alvorada mudou desde que diversos veículos de imprensa deixaram o local, temerosos de agressões vindas dos apoiadores, e que não eram coibidas pela segurança do Palácio. Saíram há duas os veículos do Grupo Globo, além dos jornais “Folha de S. Paulo”, “Estado de S. Paulo” e o portal “Metrópoles”. Com a presença quase que exclusiva de apoiadores, houve automática redução de questionamentos ao presidente.
Com isso, ele também teve menos chances de atacar a imprensa, parte importante de sua estratégia de comunicação e fator que estimulava seus apoiadores a xingarem os profissionais.
A ausência de parte da imprensa havia aberto espaço para um contato mais próximo de Bolsonaro com seus seguidores mais fiéis. Em duas oportunidades recentes, uma delas na última segunda-feira, o grupo deixou o cercadinho, passou pelo portão do Alvorada e pôde conversar com o presidente já dentro dos limites do palácio, embora ainda na área externa.
Na mesma manhã, o comboio presidencial ainda parou na barreira de acesso ao Alvorada, e Bolsonaro desceu do carro para conversar com apoiadores que não puderem acessar o local porque o limite de visitantes já havia sido ultrapassado. A cena, que provocou correria de agentes do GSI, se repetiu no mesmo dia, à tarde.
Até o episódio Bernart, os frequentadores do Alvorada compunham aquele que parecia ser o estrato mais resistente dentre os perfis diversos de eleitores que levaram Bolsonaro à Presidência: consumidores assíduos de “informações” propagadas por WhatsApp, críticos vorazes dos sistemas político e judicial, admiradores ou integrantes das forças de Segurança Pública e autodeclarados patriotas. Mais populares do que as fotos, os vídeos são sempre replicados nas redes sociais com as mensagens passadas ao presidente.
Um desses registros, feito durante a semana, captou uma seguidora paranaense prometendo a Bolsonaro conhecer a cura do coronavírus, tema sobre o qual universidades, governos e a indústria estão debruçados há meses, com gastos expressivos de dinheiro, ainda sem chegar a uma conclusão. O presidente respondeu que um horário seria agendado para que ela pudesse conversar com integrantes do Ministério da Saúde.
A irritação de apoiadores com o STF – Alexandre de Moraes, que determinou a operação que atingiu blogueiros e empresários bolsonaristas, tomou de Gilmar Mendes o posto de ministro mais odiado – também é um fator de identificação para o policial militar reformado Valdeci Severino, de 65 anos, morador de Brasília. O aposentado, que em uma visita anterior disse ter entregue a Bolsonaro uma revista com uma reportagem sobre John Kennedy, presidente americano assassinado no exercício do cargo, define a própria postura como “antissistema”.
Segundo ele, Bolsonaro tem seu apoio pela disposição em propor mudanças. “Eu também defendo alterações nos sistemas político e jurídico, que são corruptos”, alega.
Ao ser lembrado que o presidente poderá indicar um ministro para o STF já em novembro, na vaga que será aberta com a aposentadoria de Celso de Mello, Severino deixa claro que nem a saída do nome mais popular do governo, abrindo uma crise política severa, foi capaz de abalar sua aprovação a Bolsonaro.
“Uma boa escolha seria o Sérgio Moro… Mas ele pisou na bola, traiu o presidente”, diz, citando o ex-titular da Justiça e Segurança Pública, que deixou o cargo acusando Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal para proteger amigos e familiares.
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