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A Segurança Como Inimiga do Casamento

Sempre que questionam sobre a minha profissão como advogada de Direito de Família, a pergunta que não falta é: “Quais são as principais causas dos divórcios?”.

As pessoas há muito fazem essa indagação, obviamente com conteúdo relacionado à felicidade, à saúde mental e emocional, inclusive porque o divórcio nem sempre foi aceito socialmente. Importa que filósofos da Índia e da Grécia Antiga já estudavam as questões existenciais, seus valores, comportamentos e linguagem, sendo a família indissociável desse contexto, e inclusive, responsável por influenciar o comportamento do indivíduo.

Confesso que, com o passar dos anos de uma advocacia exclusiva no âmbito do Direito de Família, acredito cada vez mais na máxima de Sócrates, filósofo ateniense do período clássico da Grécia Antiga, quando disse: “Só sei que nada sei”, especialmente quando se fala de uma área do Direito muito dinâmica e, muitas vezes, distante da razão, mas quase sempre próxima da emoção – nada exata como a matemática ou a física, por exemplo – além de inserida em um contexto temporal e cultural.

Por outro lado, não posso ignorar esses questionamentos também de foro pessoal e, ao menos, tentar encontrar uma resposta minimamente lógica e comum aos casos em que diariamente atuo como advogada de família.

E, se hoje eu identifico uma confissão comum, especialmente naqueles divórcios altamente litigiosos, é quando dizem: “Eu nunca imaginei que isso fosse acontecer comigo…”. E não apenas entre os divorciados, mas também entre pessoas ainda casadas, incapazes de perceber, ou talvez meramente negacionistas, que isso um dia pode mudar.

Esta decisão também cabe em 50% a quem está do nosso lado, não se tratando de uma escolha unilateral.

Esse sentimento que eu chamaria de imaturo, de que as coisas não acontecerão conosco, revela até um certo toque de arrogância. Afinal, por que somos tão inatingíveis e imunes a um divórcio? Dessas inúmeras pessoas que passaram por essa situação, suponho que ninguém tenha desejado o rompimento, como também não acredito que exista divórcio sem sofrimento, mesmo para quem o quis, pois ele significa frustração de pelo menos alguma expectativa, seja ela qual for. Não há nada que transcenda mais felicidade que os relacionamentos humanos, em seus mais variados modelos e composições.

O sentimento de medo nos coloca em estado de alerta e de ação, assim também com o casamento, sendo dispensável lembrar o quanto esse instituto demanda constante dedicação, cuidado e empatia. Portanto, quando existe a segurança exacerbada, a negligência corre o risco de se transformar no protagonista da relação, gerando recíprocas insatisfações, em uma superficial e longínqua relação entre o casal, como bem destaca a terapeuta familiar e de casais Esther Perel, em sua obra *Sexo no Cativeiro – Driblando as Armadilhas do Casamento*: “Muitas vezes esperamos que nossos relacionamentos nos protejam das vicissitudes da vida. Mas o amor é intrinsecamente instável. Então a gente o reforça: estreita os limites, fecha as aberturas e cria a previsibilidade, tudo para se sentir mais seguro. Mas os mecanismos que montamos para tornar o destino mais seguro muitas vezes nos colocam mais em risco. O que é conhecido nos dá uma base, que talvez nos proporcione uma certa paz doméstica, mas, no processo, orquestramos o tédio. A verve do relacionamento sucumbe sob o peso daquele controle todo”.

E o distanciamento muitas vezes é lento, sereno, quase imperceptível, agravado pela insana rotina diária que muitas vezes nos coloca em modo automático para cumprirmos todos os nossos compromissos, gerando um distanciamento às vezes pessoal e uma momentânea ou até prolongada ausência de crítica e de avaliação interpessoal.

Aí está, a meu ver, o grande problema dos relacionamentos, pois é assim que surgem os diversos outros inúmeros desentendimentos entre discussões, cobranças, perda da admiração, perda da libido, traições e assim por diante, em um infinito leque de impasses conjugais.

E sendo o abandono, a acomodação na relação, a causa desencadeadora dos mais diversos conflitos, de outro lado, o investimento parece ser a solução. Os relacionamentos demandam constante cuidado e dedicação e, para dificultar a descoberta dessa desconhecida e talvez inexistente fórmula, uma pitada de insegurança e medo da perda torna-se ingrediente fundamental para sairmos da zona de conforto e nos entregarmos constantemente às nossas relações.

Stephen Mitchell, em seu livro “O Amor Pode Durar?”, explica que “Todos nós precisamos de segurança: permanência, confiabilidade, estabilidade e continuidade. Esses instintos de enraizamento e proteção nos embasam em nossa experiência humana. Mas também temos necessidade de novidade e mudança, forças geradoras que preenchem a vida e a tornam vibrante. Aí o risco e a aventura não nos deixam. Somos contradições ambulantes, buscando segurança e previsibilidade por um lado e gostando de diversidade por outro”.

E quando não existe o resultado do investimento, obviamente em estágio contínuo, tanto a esperança quanto o relacionamento acabam quase que simultaneamente, e a distância vira um abismo, muitas vezes irrecuperável entre o casal.

Por isso, devemos ter pelo menos a humildade de cogitar que somos vulneráveis a qualquer das dificuldades da vida, inclusive da frustração com o fim de um casamento, porque não atendemos ou não tivemos nossas expectativas atendidas por quem um dia acreditamos ser a pessoa certa, ou mesmo porque nossos caminhos às vezes tomam rumos que nos afastam da relação institucional. E, como a arte imita a vida, já diria Lulu Santos: “Você é bem como eu, conhece o que é ser assim, só que dessa história ninguém sabe o fim”… E assim, talvez o receio dessa frustração possa fazer com que nossa atenção esteja sempre prevenindo e curando as feridas, inerentes às relações humanas e comuns nos casamentos.

(Bertha Veppo – OAB/RS 123.172B – berthaveppo@berthaveppo.com)

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