Um estudo divulgado na quarta-feira (29) pelo Imperial College de Londres mostrou que a transmissão do coronavírus voltou a ganhar força no Brasil. Já são 14 semanas em que o índice de contágio (Rt) – uma métrica da taxa de reprodução viral, que mostra a velocidade de sua disseminação – segue acima de 1 no País.
Há duas semanas, o índice era 1,03, ou seja, cada cem pessoas com Covid-19 levariam o vírus para outras 103. Depois, passou para 1,01, mas, agora subiu para 1,08. Este acúmulo é exponencial: cem pessoas infectam 108, que levam o patógeno para 116,6, e assim por diante.
Entre os 25 países analisados pelo instituto britânico com Rt acima de 1, quase metade (13) conseguiu controlar o contágio nos últimos dois meses. Não foi o caso do Brasil, que na quarta-feira bateu a marca de 2,5 milhões de casos e 90 mil óbitos, segundo balanço dos veículos de imprensa.
O boletim registrou, em 24 horas, 1.554 novos óbitos e 70.869 novos casos de Covid-19. Os dados são divulgados pelo consórcio formado pelo jornal O Globo, Extra, G1, Folha de S.Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo, que reúne informações das secretarias estaduais de Saúde.
O número de óbitos foi o maior registrado em apenas um dia, ultrapassando o visto em 4 de junho (1.470). O novo recorde pode estar associado a um acúmulo de casos no Estado de São Paulo, que, na quarta-feira, além dos dados do dia, também divulgou os de terça-feira.
“O índice de reprodução mostra que nenhuma localidade do país, mesmo que atualmente tenha situação considerada estável, está a salvo de novos surtos, já que a população se desloca por todo o território”, alerta Silvio Ferreira, físico da Universidade Federal de Viçosa e especialista em modelagem para predição de riscos de contaminação. “O índice de contágio não é a medida perfeita porque a pandemia tem um perfil diferente em cada localidade, mas mostra que, enquanto não houver isolamento social, viveremos uma situação fora de controle.”
Ferreira avalia que não há perspectivas de que o contágio do coronavírus seja reduzido nas próximas semanas. E critica as grandes cidades, como o Rio de Janeiro, pelo relaxamento demasiado da quarentena.
Leonardo Weissmann, infectologista conselheiro da Sociedade Brasileira de Infectologia, avalia que a taxa de reprodução do coronavírus é catapultada pelas proporções continentais do país e pela falta de lideranças que poderiam estabelecer diretrizes para a população na área da saúde.
“A interpretação dos dados deve ser feita por regiões e, dentro de cada uma delas, há particularidades. Devemos considerar especialmente os altos índices de incidência e mortalidade nas áreas mais carentes”, alerta Weissmann. “As autoridades parecem não falar a mesma língua, e isso deixa o país sem um norte.”
Questionado sobre os próximos passos da pandemia no Brasil, Weissmann assinala que o país ainda tem chance de tomar o controle do coronavírus e diminuir sua disseminação.
“Não sabemos com precisão para onde vai o coronavírus, mas temos condições de reverter a situação, desde que todos se unam pelo mesmo objetivo e deixem as divergências de lado.”
Doutor em Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Paulo Petry lembra que o coronavírus “entrou no Brasil de avião”, com a chegada de viajantes a destinos turísticos, como Rio, São Paulo e Fortaleza, e agora “vai de carro” para o interior.
“Não adianta ter uma taxa de contágio do vírus estagnada nas capitais se a doença migra para o interior, onde a densidade populacional é baixa, mas ele pode se manifestar em muitas cidades”, explica. “A transmissão da Covid-19 também é alta porque o vírus não está associado a uma condição climática. Sua taxa de reprodução atual é elevada no Rio Grande do Sul, onde a temperatura esta semana ficou abaixo de 5 graus Celsius, e também tem provocado muitas contaminações em Roraima, um estado na zona tropical.”
Uma prova da disseminação do patógeno pelo interior do País é que, em dois Estados, Mato Grosso do Sul e Tocantins, apenas uma cidade ainda não havia registrado casos de coronavírus até terça-feira.