Os técnicos da pasta interpretaram a manobra como uma intervenção fardada inédita e grave por ocorrer no meio de uma pandemia com milhares de mortos no país. Um dos exonerados, Francisco Bernd, funcionário do ministério desde 1985, diz nunca ter testemunhado “uma mudança tão drástica, com a chegada de pessoas tão estranhas à Saúde.”
Bernd explica que há diversos grupos técnicos na pasta que foram sendo criados em diferentes mandatos e incorporados pelos sucessores. “Os militares que chegam não têm absolutamente nenhuma experiência histórica na Saúde. O próprio Teich não tem experiência em gestão pública”, destaca.
Também não caiu bem a colocação de Teich de que os militares fazem “uma coisa organizada”. ” A crise na saúde então é por culpa da desorganização do ministério?”, pergunta Bernd, que era diretor de programa na secretaria-executiva da Saúde. Seu posto ficará com o tenente-coronel Jorge Luiz Kormann.
Bernd diz que torce muito pelo sucesso deles, mas prevê dificuldades. “Como vão administrar a engrenagem dos repasses para estados e municípios? Como vão lidar com o planejamento do orçamento e com as compras chegando agora?”. Bernd, que já foi secretário-adjunto de Saúde no Rio Grande do Sul e foi levado para Brasília pelo ex-número 2 da pasta, João Gabbardo, voltará para Porto Alegre.
Teich
Em pouco mais de vinte dias, ele acumula críticas, como a demora na entrega de artigos emergenciais, a falta de interlocução com governos estaduais e municipais, que detêm 98% dos leitos públicos, e a ausência de um plano de testagem em massa previsto por ele na posse, em 17 de abril. Após dois dias de visita à capital do Amazonas, Teich anunciou o fornecimento imediato de itens de proteção aos profissionais de saúde. Eles têm adoecido em ritmo acelerado e desfalcado a frente de atendimento numa cidade que inaugurou na pandemia a triste prática de enterrar mortos em vala comum por falta de espaço. “Veio muito pouco material, vou ter de cobrá-los novamente”, lamentou o prefeito Arthur Virgílio (PSDB), crítico contumaz da passividade do ministro diante da demora do governo federal em responder aos pedidos de ajuda.
Causou estranheza a decisão da comitiva de ir embora de Manaus sem passar pelo maior hospital público do estado, o 28 de Agosto, onde funcionários ameaçavam greve diante dos salários atrasados e da falta de equipamentos de proteção. Em vez disso, o ministro foi à sede do Comando Militar da Amazônia, que era chefiado pelo general Eduardo Pazuello até cerca de duas semanas atrás, quando ele foi alçado ao posto de secretário executivo do Ministério da Saúde, o número 2 da pasta. Com fama de “descascador de abacaxis” por causa de seu senso de organização, Pazuello esteve à frente de outras emergências nacionais, como a operação de acolhida de imigrantes venezuelanos.
Na prática, porém, o general tem atuado como o número 1 da pasta, requisitado muitas vezes por Teich em momentos de tomada de decisão. Na quarta 6, o ministro chegou a pedir a presença do general em uma reunião com secretários estaduais quando foi questionado sobre o plano para aumentar o número de testes. Foi de Pazuello o veto ao uso por servidores do “colete do Mandetta”, a vestimenta azul com o emblema do Sistema Único de Saúde (SUS) que o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta e seus auxiliares vestiam nas entrevistas diárias. O estilo militar impôs uma nova dinâmica de concentrar as decisões, o que dificulta a interlocução com estados e municípios, em contraposição ao estilo de Mandetta, que delegou boa parte das diretrizes técnicas à Secretaria Executiva, então comandada por João Gabbardo dos Reis, homem de sua confiança. Agora, na era Pazuello, a previsão é que sejam nomeados mais de dez militares para ocupar cargos gerenciais no órgão, outro motivo de preocupação para os servidores.