Após um prolongado silêncio, a vida noturna de Kiev, capital da Ucrânia, está fazendo seu retorno. Muitos estão saindo pela primeira vez desde que a guerra começou. Para beber à beira do rio. Encontrar um amigo. Sentar no bar e tomar uma bebida. Ou três.
Esta é uma cidade cheia de jovens que tiveram as rotinas afetadas por dois anos, primeiro por causa da covid, depois por causa da guerra com a Rússia. Eles querem contato. A guerra faz com que essa necessidade fique ainda maior, especialmente quando um míssil russo pode te matar, em qualquer lugar, a qualquer hora.
Agora que o verão no Hemisfério Norte está em seu ápice, e os combates estão concentrados no Leste, a centenas de quilômetros de distância, Kiev está se sentindo um pouco menos culpada ao sair de casa.
— Era uma grande questão para mim: é certo trabalhar durante a guerra? É certo servir um drink durante a guerra? — disse Bohdan Chehorka, um atendente de bar. — Mas a resposta estava nos olhos dos clientes. Era como se fosse uma terapia para eles.
A cada final de semana, em uma cidade que já ostentava a reputação de ser um lugar legal, fica mais fácil achar uma festa. Um festival de hip hop virou um mar de cabeças balançando. As pessoas transbordam dos cafés de rua. Dentro dos bares há menos lugares vazios do que há algumas semanas. Nas margens do Rio Dnieper, que corta Kiev, centenas de pessoas se sentam ao lado de amigos, tendo como cenário um longo pôr do sol e um céu azulado.
Toque de recolher
Mas o toque de recolher cai sobre a cidade como um martelo. A festa pode estar a todo vapor, mas a guerra também está.
Às 23h, por decreto municipal, todos precisam estar fora das ruas. Qualquer pessoa que violar essa regra pode receber uma multa ou, no caso de homens jovens, uma consequência mais grave: uma ordem para se apresentar ao serviço militar. Os bares precisam fechar às 22h, para permitir que os funcionários cheguem em casa.
A guerra não é apenas uma sombra distante, mas uma força que rege as vidas de todos, domina os pensamentos de todos, torna seus semblantes mais sombrios, mesmo se estiverem se esforçando para fazer as coisas que gostavam de fazer no passado. O festival de hip hop e a rave doaram os lucros para os esforços de guerra e causas humanitárias, uma ação que foi, em parte, a razão de terem sido realizadas.
Em conversas casuais, como no Pink Freud, um bar, a guerra segue em alta. Um papo entre uma jovem mulher e Chehorka, o barman, também psicólogo, levou a uma conversa sobre livros que levou, naturalmente, aos russos. Chehorka disse que estava vendendo sua coleção de livros em russo porque não quer mais ler nada naquele idioma novamente.
— Essa é minha própria guerra — explicou, acrescentando sentir que toda a psique da cidade havia mudado. — Kiev está diferente agora. As pessoas estão mais educadas, mais amigáveis. Não estão bebendo tanto.
Agora, quando o relógio marca 22h, a cidade emana uma energia nervosa. Pessoas bebendo nas ruas, ou no rio, olham seus relógios. Fecham as garrafas de cidra, levantam e andam rapidamente. Carros se movem mais rápido. Muitos ultrapassam o sinal amarelo. O relógio está batendo. Os preços de carros de aplicativo triplicam, se você tiver a sorte de achar um livre.
Alguns jovens, vendo a impossibilidade de conseguir uma carona, se despedem de seus amigos, abaixam as cabeças e começam a correr para casa, desesperados para vencer o toque de recolher.
Às 23h, Kiev para. Nada se move. As calçadas ficam vazias. Toda a energia que estava se acumulando, crescendo, ganhando força, em um instante vira um chocante silêncio em toda cidade.