Representantes dos 110 Estados membros do ICMM (Comitê Internacional de Medicina Militar, na sigla em inglês) se reuniram em Bali para debater uma agenda que tem uma enorme lacuna. Faltou qualquer referência ao uso dos chamados testes de virgindade nas Forças Armadas da Indonésia.
O ICMM é uma organização intergovernamental fundada por oito países, incluindo o Brasil, com o objetivo de promover a colaboração entre médicos militares. Seus membros, no entanto, fazem vista grossa ao país anfitrião das reuniões, que realiza uma prática discriminatória, dolorosa e humilhante para as mulheres.
Há décadas, as Forças Armadas da Indonésia obrigam recrutas do sexo feminino e noivas de oficiais militares a se submeterem ao “teste dos dois dedos” para determinar se seus hímens estão intactos. Somente aquelas mulheres que dispõem de recursos para subornar médicos militares ou de poderosas conexões dentro das Forças Armadas ou no governo são poupadas de tamanha indignidade e dor.
A Human Rights Watch documentou essa prática abusiva e fez um apelo às Forças Armadas indonésias para que a abolissem. Em resposta, o porta-voz militar indonésio, Fuad Basya, disse que os testes de virgindade servem para barrar recrutas femininas inaptas. “Precisamos examinar a mentalidade dessas candidatas. Se elas não são mais virgens, se são indisciplinadas, isso significa que a mentalidade delas não é boa”, afirmou Basya ao jornal The Guardian.
“Era tortura.”
Essa atitude ignora a dor e o trauma causados às mulheres. Uma delas, entrevistada pela Human Rights Watch, se lembrou da humilhação que sentiu ao ser submetida ao exame enquanto se candidatava à academia militar em 2013, e de seu espanto com o fato de o teste ter sido realizado por um homem. Uma médica recordou a resistência das recrutas em serem testadas. “Não era mais [apenas] um ato humilhante. Era tortura. Eu decidi não fazê-lo nunca mais”, disse a profissional de saúde.
O teste de dois dedos é uma forma de violência de gênero que nem sequer garante confiabilidade: o rompimento do hímen pode ocorrer devido a razões não relacionadas a relações sexuais.
Em maio, o ICMM optou por ignorar esse abuso, ao invés de defender os direitos das mulheres e conferiu à Indonésia a presidência temporária deste grupo. O representante do Brasil no ICMM deveria denunciar essa prática e pedir à organização que faça o mesmo. (Maria Canineu/AG)