O Ministério da Saúde está em fase final de negociações para fornecer o medicamento Zolgensma no Sistema Único de Saúde (SUS), encerrando um imbróglio que se arrasta desde 2022. Considerado o medicamento mais caro do mundo, o Zolgensma é utilizado no tratamento da atrofia muscular espinhal (AME). Cada dose custa, em média, 2,5 milhões de dólares (cerca de R$ 15 milhões na atual cotação do dólar).
Na semana passada, representantes do Ministério da Saúde reuniram-se com a farmacêutica Novartis, fornecedora exclusiva do medicamento no Brasil. Após o encontro, o governo enviou uma proposta de Acordo de Compartilhamento de Riscos (ACR), atualmente em análise pela empresa. As negociações têm sido descritas como “produtivas”, e há a expectativa de que um acordo seja alcançado em breve.
A Novartis afirmou que a conclusão do acordo é uma prioridade e que continua buscando as melhores condições para que o “processo seja concluído o mais breve possível”.
Em nota, o Ministério da Saúde destacou que “a oferta das duas tecnologias segue regular, o que demonstra o compromisso do MS em ofertar opções terapêuticas e cuidado integral para quem vive com doenças raras no País”. A pasta também informou que, desde 2023, cerca de 34% das tecnologias incorporadas destinam-se ao atendimento de condições raras e enfatizou que nenhum paciente com decisão judicial favorável deixou de ser atendido.
Logística complexa
O fornecimento do Zolgensma é complexo porque o Ministério da Saúde precisa monitorar a evolução clínica dos pacientes submetidos à terapia gênica, assim como os resultados apresentados ao longo dos anos. Esse processo é inédito no Brasil e será o primeiro acordo comercial no SUS envolvendo o pagamento condicionado ao monitoramento individual do paciente.
O acordo em discussão busca garantir a eficácia do tratamento e distribuir os riscos entre o Ministério da Saúde e a farmacêutica, aliviando os pacientes desse ônus.
A AME é uma doença rara e degenerativa, transmitida de pais para filhos, sem cura conhecida. Ela é causada por uma alteração no gene que produz a proteína SMN, essencial para proteger os neurônios motores. Sem essa proteína, os neurônios morrem, comprometendo impulsos nervosos que controlam movimentos, respiração e deglutição. A estimativa do governo é que a AME afete uma pessoa a cada 100 mil no Brasil.
O Zolgensma é uma terapia gênica que visa a corrigir essa deficiência ao introduzir o gene ausente no organismo do paciente. O gene é inserido por meio de uma cápsula de vírus modificada em laboratório, que o transporta até as células da medula espinhal. Ele é a única terapia gênica no mundo indicada para a doença.
O médico geneticista Salmo Raskin, doutor em Genética pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), ex-presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica e presidente do Departamento de Genética da Sociedade Brasileira de Pediatria, afirma que o monitoramento é necessário para o governo se certificar sobre a segurança e eficácia do remédio, mas há pontos em aberto.
“O sistema público brasileiro não tem tradição e experiência para fazer esse monitoramento. O monitoramento vai dizer que, se é seguro e eficaz, o governo paga. Agora, se não for tão seguro ou não for tão eficaz, não paga ou depois deixa de pagar. A ideia é adequada e justa para ambos os lados. Mas é complexo fazer esse monitoramento. O que vai ser considerado uma melhora? Se a criança não piorar isso vai ser suficiente ou vai ter que melhorar? Se for melhor, o que e quanto? São pontos delicados e complexos”, avalia.
Ele também aponta a dificuldade logística que precisará ser considerada, como local de aplicação e periodicidade de consultas. A indicação sobre o uso da Zolgensma ou outro medicamento é feita caso a caso. O medicamento é indicado para o tipo 1 da AME, que afeta bebês de zero a 6 meses. Atualmente, pacientes do SUS têm acesso aos medicamentos nusinersena e risdiplam, que tratam o tipo 2 da doença em crianças de 6 a 18 meses, mas não funcionam como terapia gênica.
Estudos apontam que uma única aplicação do Zolgensma pode melhorar a sobrevida dos pacientes, reduzir a necessidade de ventilação mecânica e promover avanços no desenvolvimento motor. Os efeitos colaterais são considerados controláveis, sendo o mais comum o aumento das enzimas hepáticas, tratado com corticosteroides. As informações são do jornal O Globo.