Um acordo em negociação entre Brasil e Estados Unidos permitirá que agentes da polícia de fiscalização alfandegária e de fronteiras daquele país (CBP, na sigla em inglês) atuem dentro do aeroporto internacional de Guarulhos, em São Paulo. O objetivo é fazer uma espécie de triagem, em que os agentes atuarão, em parceria com a Polícia Federal (PF), para identificar terroristas e outros criminosos, e evitar que eles entrem em território americano. A atuação conjunta também tentará prevenir a entrada de viajantes considerados de “alto risco” no Brasil. As informações são do jornal O Globo.
A assinatura do termo, em negociação desde agosto do ano passado, se dará entre a PF e o Departamento de Segurança Interna (Homeland Security) dos EUA. A Advocacia-Geral da União (AGU) já deu parecer favorável à parceria.
Os Estados Unidos têm iniciativa parecida em outros países – o chamado Programa de Segurança Conjunta (identificado pelas siglas PSC, em português, e JSP, em inglês). Um documento oficial do governo dos Estados Unidos, feito em janeiro de 2017, mostra que o PSC estava funcionando em dois locais: México e Panamá.
Em outros sete países (Alemanha, Catar, Espanha, França, Holanda, Japão e Reino Unido), a parceria vigente leva outro nome: Programa de Assessoramento de Imigração (IAP na sigla em inglês), que não implica no trabalho de agentes em conjunto com policiais locais – apenas serviços de consultoria.
Questionada, a PF confirmou que esses nove países firmaram cooperação com os Estados Unidos em aeroportos, mas não soube detalhar quais eram semelhantes ao PSC. Procurada, a polícia alfandegária americana não respondeu ao contato da reportagem.
Ainda que o acordo, se firmado, permita que os agentes permaneçam em áreas restritas do aeroporto, um plano de trabalho elaborado pela PF, ao qual o jornal O Globo teve acesso, diz que o poder de polícia e o controle migratório serão atividades exclusivas do órgão brasileiro, não podendo ser delegadas à CBP. Assim, os agentes estrangeiros poderão sugerir medidas, mas não efetuá-las. “A PF detém autoridade soberana para tomar qualquer ação em relação a passageiros identificados nas atividades”, diz trecho do documento. Documentos da PF e do Ministério da Justiça (MJ) elaborados no curso das tratativas também destacam que a soberania nacional não será ferida.
O jornal O Globo questionou a PF se, uma vez instituído o programa, um agente da CBP poderia vetar uma pessoa de embarcar rumo aos Estados Unidos. Em resposta, a PF reiterou que “o poder de polícia será exercido, exclusivamente, pela Polícia Federal, não dispondo os agentes americanos de qualquer atribuição em território brasileiro”.
O trabalho dos agentes consistirá em “fazer perguntas aos viajantes e examinar seus documentos de viagem”, mas não agir “de forma consultiva às empresas áreas e aos governos anfitriões”. Eles tampouco terão autoridade para negar o embarque de pessoas. A decisão final de embarcá-las ou não em direção aos Estados Unidos será das empresas.
Um piloto do programa foi implementado em Guarulhos entre 2017 e 2018, no qual foram apreendidos carregamentos de drogas e identificados de viajantes de “alto risco”.
Se firmado, o PSC será o primeiro programa do tipo conduzido pela PF em parceria com um país estrangeiro. A PF confirmou que “tem parcerias na área de cooperação internacional com diversos países”. Mas, como principal empreitada, citou o Programa Intercops, em que o órgão apenas apresenta a policiais estrangeiros práticas operacionais no campo da investigação criminal em aeroportos internacionais.
A análise do acordo dentro da PF começou em agosto de 2018. Ao longo dos meses seguintes foram feitas algumas alterações. Com a mudança de governo – em janeiro de 2019 o ex-presidente Michel Temer passou a faixa presidencial para Jair Bolsonaro –, a nova direção da PF voltou a analisar o assunto.
Em junho deste ano, a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, órgão vinculado à AGU, sugeriu, em um parecer, que fosse ouvida a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Em resposta, a PF, que é vinculada ao Ministério da Justiça, foi favorável aos ajustes na redação, mas entendeu ser desnecessário consultar a Anac. Com isso, em 13 de agosto, a Consultoria Jurídica deu novo parecer dizendo não se opor à assinatura do acordo.
De acordo com a PF, não é preciso aprovação do Congresso Nacional para que o programa seja implantado, uma vez que ele “não acarreta encargo ou compromisso gravoso ao patrimônio nacional”. Agora, com o parecer da Consultoria Jurídica, falta apenas “a celebração do Termo de Cooperação Interinstitucional, que ainda está sob análise interna”.
A versão final do acordo, que teve algumas alterações em relação ao texto original, ainda não foi apresentada às autoridades dos EUA. Mas, segundo a PF, as mudanças já estavam sendo discutidas com a CBP para poder atingir “o objetivo que seja adequado para as duas partes interessadas”.