Um estudo recente da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai) aborda a prevalência das alergias alimentares em pessoas mais velhas, sugerindo que, sim, elas também podem ser vítimas do problema. Atentos ao aumento dos casos de alergias alimentares em adultos e idosos nos consultórios, médicos da Asbai aplicaram questionários validados a 632 pessoas com 60 anos ou mais, abrangendo todas as cinco regiões do Brasil, entre outubro de 2022 e outubro de 2023. Um questionário validado é aquele que passou por testes e avaliação científica para garantir que mede o que se propõe da forma mais precisa possível.
Nesse caso, o questionário utilizado pela pesquisa, apresentada durante o 51º Congresso Brasileiro de Alergia e Imunologia, começava com uma questão mais ampla: “Você já teve alergia a algum alimento?”. Para aqueles que respondiam afirmativamente, eram feitas perguntas mais detalhadas, como: “Qual alimento causou a reação?” “Quais sintomas foram apresentados?” “Você procurou atendimento médico?” “A reação foi imediata ou tardia? Foi grave?” “Já havia um diagnóstico médico anterior?”.
Os resultados do estudo indicam que a prevalência de alergias alimentares pode variar entre 5,5% e 18,8%, envolvendo tanto alergias originadas na infância quanto na vida adulta. “Quase 50% respondeu que a condição se iniciou no decorrer do envelhecimento”, diz o alergista e coordenador da pesquisa, José Boechat.
“Apesar disso, é um tema ainda pouco estudado, tanto aqui quanto no resto do mundo. Ao mesmo tempo, a população idosa está crescendo, o que exige uma maior atenção à qualidade da saúde, e a alergia alimentar faz parte desse contexto”, complementa.
Os mais alergênicos
Entre os alimentos mais associados a reações alérgicas na pesquisa, destacam-se os frutos do mar, o leite de vaca e, curiosamente, as frutas frescas. “Isso pode indicar que o sistema imunológico dos idosos possui características específicas”, afirma o pesquisador.
O estudo também revela que as mulheres são mais afetadas, o que também é curioso, já que, na infância, os meninos são mais propensos a alergias. “Ainda não sabemos o motivo, mas isso nos faz questionar se pode ter alguma alteração hormonal envolvida nessa história. É algo a se investigar”, diz Boechat.
Nos pequenos, os quadros alérgicos geralmente ocorrem porque o sistema imunológico ainda está em desenvolvimento, tornando-os mais suscetíveis a respostas imunológicas exageradas. Conforme o tempo passa, e o sistema amadurece, o esperado é que as alergias alimentares entrem em remissão –ou seja, desapareçam.
“Isso explica por que os estudos epidemiológicos se concentraram quase exclusivamente nas crianças, dando até aos médicos a falsa impressão de que a alergia alimentar não afeta adultos e idosos”, destaca o pesquisador. “Hoje, sabemos que a prevalência em crianças é em torno de 8%, enquanto estudos realizados anteriormente, em outros países, indicam que nos mais velhos fica em cerca de 10%. Isso pode ocorrer porque a alergia da infância não desapareceu ou porque mudanças relacionadas à idade favorecem o surgimento de novas reações alérgicas.”
Possíveis explicações
Entre as hipóteses para justificar o desenvolvimento de quadros alérgicos na vida adulta, Boechat destaca a imunosenescência, isto é, o envelhecimento natural do sistema imunológico. Esse processo afeta a barreira intestinal e também a capacidade de defesa do corpo, que passa a reagir de forma exagerada a certos componentes da dieta, sobretudo as proteínas.
O risco de alergia alimentar tende a ser ainda maior quando, aliado a esse envelhecimento, entram em cena fatores como consumo frequente de álcool e uso de determinados medicamentos, especialmente aqueles que tratam o refluxo gástrico, como omeprazol, pantoprazol e esomeprazol. “Esses medicamentos reduzem a acidez do estômago, que é essencial para a digestão inicial dos alimentos. Com menos acidez, as proteínas chegam ao intestino menos quebradas e, dessa forma, mais alergênicas”.
Outros medicamentos, como anti-inflamatórios, anti-hipertensivos e antibióticos, também podem influenciar. Os antibióticos, por exemplo, alteram a microbiota intestinal, reduzindo a presença de bactérias boas na região do intestino. Essa alteração pode gerar inflamações e facilitar a absorção de partículas maiores, aumentando o risco de alergias.
“Ou seja, tudo está interligado. A imunosenescência, a alteração na microbiota e a maior absorção de moléculas maiores formam um ciclo que facilita o surgimento de reações alérgicas”, resume o pesquisador.
Isso não significa, entretanto, que o uso dos medicamentos deva ser interrompido. Na verdade, essas alterações ocorridas com o envelhecimento devem ser encaradas como alertas, especialmente pelos médicos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.