Sexta-feira, 15 de novembro de 2024
Por Carlos Alberto Chiarelli | 12 de outubro de 2023
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
1ª Como todas as guerras ou confrontos pura e simplesmente, de origem religiosa, fica impossível demarcar a data de início que, antes, quando Estados guerreavam podia a história identificar o começo porque se respeitava o princípio da declaração.
2ª O confronto supra tem uma impossibilidade de demarcação de ano, data e até século de início das batalhas, porque se fizeram plenamente conhecidas quando o fator religioso que sempre foi preponderante aceitou ser a motivação da luta. Assim, tanto se pode dizer que o início seria no ano de 1800 em diante como alegar que o atual guerrear foi iniciado há pouco mais de 75 anos.
3ª A terminologia usada, inclusive pelos meios de comunicação, atropela conceitos jurídicos e de ciência política. Não há uma guerra entre Israel e Hamas, inclusive porque Israel é um Estado organizado, com eleições livres, partidos políticos, voto secreto e poderes constituintes. É respeitado como integrante da ONU. O Hamas não dispõe dessas que são as marcas do Estado tradicional: não há poder judiciário, não há leis hierarquicamente superiores, não existe uma constituição tradicional e o poder é constituído pela força.
4ª Faz-se difícil a qualificação ou até mesmo a identidade do Hamas tal a fundamentação radical que defende e que pratica. Não integra nem respeita qualquer organização que tenha aspecto multinacional amplo. Tem um relacionamento, várias vezes conflitantes, com a própria autoridade palestina, sediada em Ramallah, hoje dirigida por Abbas e que foi fruto do resultado de uma negociação política em que Israel compareceu à casa de campo do presidente americano, Bill Clinton, com seus dois principais líderes: Shimon Peres e Itzhaki Rabin. Os palestinos estavam representados pelo que foi seu líder durante mais de 20 anos, Yitzhak Arafat. Desse encontro e dessa negociação, surgiu a estrutura da autoridade palestina, que representa os judeus menos agressivos que se filiaram primeiro a Arafat e, com a morte dele, a Abbas.
5ª Hoje, Abbas preside uma imitação de Estado, posto que é presidente de um sistema de gestão pública (com algumas falhas) onde existem eleições livres, poder judiciário, poder legislativo e voto secreto, sendo temporário o poder presidencial.
6ª A guerra religiosa que tem tantas variantes, como o enfrentamento de um estado com um grupo anarquista fanático (o que desrespeita conceitos jurídicos internacionais), faz com que a região seja ainda mais tumultuada, porque os grupos radicais nem mesmo entre si se entendem: ver a posição do Hamas com relação ao Hezzbollah e a Jihad que opera principalmente a partir do Líbano.
Existe um fato do qual fui participante, pois recebi a missão da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para ser observador oficial na década de 90, justamente no território praticamente ocupado pela autoridade israelita.
Havia, há pouco mais de 4 meses, sido acordado um armistício entre Israel e os palestinos menos belicosos. Viajei à região conflagrada para visitar o governo de Israel, em Tela Vive, e depois comparecer a regiões em que havia interesse dos membros da ONU de ter uma informação sobre a legislação trabalhista na região. Passei pelo Mar Morto, onde os judeus iniciavam a construção de um kibutz, teimando contra a hostilidade do clima. E foram vitoriosos.
Além disso, destaco o que ocorreu (e isso, volto a dizer, era depois de um armistício que só ocorrera 4 meses antes): fui visitar a fronteira de Israel com a Jordânia, quando os judeus, depois de uma longa excursão de automóveis, fizeram-me visitar uma das maiores fábricas do mundo de um gostoso suco de laranja. Constatei, em uma área enorme ocupada por cerca de mil empregados, que havia duas esteiras circulantes, nas quais os vidros faziam roteiro permanente. Iniciavam vazios e, automaticamente, terminavam plenos. Só que verifiquei uma profunda diferença: numa esteira, as garrafas terminavam seu circuito devidamente rotuladas, com todos os indicativos corretos (made in Israel, por exemplo). Na outra esteira, as garrafas terminavam seu roteiro e eram depositadas sem qualquer marca de procedência. Foi então que o vice ministro de indústria e Comércio israelita me convidou para que continuássemos o roteiro.
Menos de mil metros da fábrica, onde, quando chegamos, havia uma fila de caminhões, estávamos na ponte de Allenby, situada na Jordânia (país árabe que praticamente vive em uma relação normal com Israel). Os caminhões que vinham da fábrica, em fila, passavam a ponte e depositavam as garrafas não rotuladas para ganharem, por parte dos trabalhadores jordanianos, um belo rótulo com o destaque de made in Jordânia.
O preço da garrafa em Israel era X, já na ponte onde se vendia para a Jordânia, X mais 25%. Segundo fui informado, a Jordânia vendia para a Arábia Saudita dizendo ser a fabricante: por mais 50%. E o comércio era permanente e ninguém falava em guerra. E os vendedores recebiam pontualmente o valor da venda à Jordânia e esta o acrescido valor da venda à Arábia Saudita.
Explicação: A Jordânia se aproveitava de não ter atrito com Israel e ganhava o direito de consumo, comprando o produto por um preço maior que o do mercado. No entanto, dali mesmo, da ponte, já rotulado, o gostoso líquido ia para a Arábia Saudita. Talvez o mais rico país do mundo em petróleo, que só fazia essa operação se a garrafa tivesse o rótulo não de Israel, mas da Jordânia.
Isso tudo vi e disso fiz relatório à própria OIT, que representava. Até porque tanto os trabalhadores do território de Israel como os do lado da Jordânia não tinham qualquer documento que falasse em direitos – muito menos sindicato – e nunca pensaram em fazer greve. Ali, imperava o comércio internacional agressivo e o direito do trabalho não havia ainda sido reconhecido e praticado. Foi isso que relatei na Assembleia da OIT para que todos países soubessem qual era a realidade.
P.S Isso tudo que vimos e relatamos, acontecia simultaneamente enquanto Israel havia avançado alguns quilômetros no território da Síria (ultrapassando as colinas do Golã). Ali era a guerra. Onde se tomava a gostosa laranjada era a paz. Uns usavam o comércio pacífico, outros usavam armas de fogo.
Carlos Alberto Chiarelli foi ministro da Educação e ministro da Integração Internacional
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
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