Em um dos diálogos captados pela Polícia Federal na investigação da trama golpista que se desenrolou no final do mandato de Jair Bolsonaro, dois coronéis que assessoravam a cúpula do Exército conversam sobre a disposição do Alto Comando de aderir a um golpe de Estado.
Em 16 de outubro de 2022, Fabrício Bastos, que trabalhava no Centro de Inteligência do Exército, diz que Bolsonaro tinha que mandar prender “todo mundo no STF e no TSE” por conta de decisões da Corte Eleitoral contra a campanha de Bolsonaro. Mas Bernardo Romão Correa Netto, que era assistente do Comandante Militar do Sul, diz que isso não aconteceria porque o Alto Comando (ACE) não queria. “O ACE tem sido enfático nas afirmações de que devemos nos manter de fora das disputas políticas”, diz ele. “Foram várias VC (videoconferências) do general Freire Gomes com o ACE para falar sobre isso. Eles não entendem da mesma forma que nós, velho”.
Nos meses seguintes, os dois coronéis mergulhariam de cabeça na conspiração para impedir a posse de Lula – e uma vez descobertos e presos, passaram a ser vistos pelos generais como traidores. Mas o relato que faziam sobre o que se passava no interior do Alto Comando estava correto.
Segundo generais ouvidos pela colunista Malu Gaspar, do jornal O Globo, a ofensiva golpista de Bolsonaro passou a ser discutida no segundo semestre em todas as reuniões da cúpula, que reúne os 16 generais de quatro estrelas, mas nunca se usava a palavra golpe. “Nós não discutíamos propriamente golpe, falávamos sobre a situação de instabilidade do país e a tentativa de nos envolver na disputa. Todos diziam que devíamos ficar afastados da política, e se alguém não concordava ficava quieto”, diz um general que integrava o Alto Comando naquela época.
O mesmo relato é corroborado por outro general de quatro estrelas, segundo informações da coluna de Malu Gaspar. “O assunto não entrava na pauta, mas sempre se falava a respeito na parte reservada para a discussão de conjuntura”. De acordo com esse oficial, até hoje se especula na cúpula militar quem poderiam ser os três generais que queriam muito o golpe – segundo outro coronel, Reginaldo Vieira de Abreu, na época assessor no Palácio do Planalto no governo Bolsonaro, afirma num áudio captado pela PF. “Se queriam, nunca disseram abertamente”, comenta esse general.
Apesar do aparente consenso contra o envolvimento dos generais na aventura bolsonarista, quando os acampamentos nas portas de quartéis cresceram país afora, ficou claro que havia uma divisão no comando.
Parte dos generais insistia nas reuniões para que o comandante, general Marco Freire Gomes, retirasse os manifestantes do entorno dos quartéis. Freire Gomes, porém, respondia que o Exército não deveria “se meter” e nem “chegar perto” do assunto.
Parte da cúpula concordava com ele, e por isso ao final chegou-se a um acordo de que, enquanto os acampamentos não interferissem na vida dos quartéis, poderiam continuar. Por “não interferir” se entendia não atrapalhar a liberdade de ir e vir, não danificar o patrimônio e nem atrapalhar as atividades do dia-a-dia.
Mas como nada foi feito, os acampamentos continuaram e aumentaram até o final de dezembro. Só começaram a diminuir quando Bolsonaro deixou o país rumo aos Estados Unidos, em 31 de dezembro de 2022, último dia do mandato.
Para um dos generais ouvidos pela coluna, permitir os acampamentos foi um erro. “Não fazer nada foi entendido por aquelas pessoas como um indicador de que estávamos apoiando”.
Foram esses debates internos que vazaram para o jornalista Paulo Figueiredo, então na Jovem Pan, que divulgou no ar uma lista de generais apelidados de melancias – verdes por fora, mas vermelhos por dentro – que estariam contra Bolsonaro e a favor da esquerda. Entre esses generais estavam o atual comandante de Lula, Tomás Paiva, e os generais Richard Nunes e Valerio Stumpf (que já foi para a reserva).
Segundo a investigação da PF, convencer a cúpula militar a aderir ao plano era essencial para que o golpe fosse adiante, e os vazamentos de nomes de generais que eram contra uma virada de mesa fazia parte do plano para tentar dobrar a resistência do Alto Comando a apoiar as pretensões de Bolsonaro.
O relatório final do inquérito da trama golpista elenca quatro reuniões de Bolsonaro com os comandantes das Forças Armadas para apresentar a minuta do golpe.
Mas o comandante do Exército, general Freire Gomes, e o da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Junior, se recusaram a aderir. Em depoimento à PF, Freire Gomes declarou que reagiu a Bolsonaro dizendo que, se ele fosse adiante na tentativa de impedir a posse de Lula, seria obrigado a prendê-lo.
Freire Gomes, porém, não relatou nenhuma dessas reuniões ao Alto Comando. Guardou segredo sobre o que se passava na época, mas foi obrigado a contar tudo para a PF. As informações são do jornal O Globo.