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Alzheimer: remédio semelhante ao Ozempic reduz encolhimento do cérebro em 50% e retarda declínio cognitivo em teste inicial

Injeção diária de liraglutida diminuiu em 18% a perda da cognição ao longo de um ano no estudo. (Foto: Reprodução)

A liraglutida, medicamento da mesma classe do Ozempic, reduziu o ritmo do encolhimento de partes do cérebro que controlam a memória, o aprendizado, a linguagem e a tomada de decisões em quase 50% em pacientes com Alzheimer em estágios iniciais. Além disso, retardou em 18% o declínio cognitivo daqueles tratados ao longo de um ano, em comparação com os que receberam placebo.

Os resultados são parte de um estudo pequeno de fase 2, das 3 que geralmente compõem os testes clínicos, e foram apresentados nesta terça-feira na Conferência Internacional da Associação de Alzheimer 2024, nos Estados Unidos.

“Estamos em uma era de promessas sem precedentes, com novos tratamentos em vários estágios de desenvolvimento que retardam ou podem evitar o declínio cognitivo devido à doença de Alzheimer. Essa pesquisa dá esperança de que mais opções para mudar o curso da doença estão no horizonte”, disse Maria C. Carrillo, diretora científica e líder de assuntos médicos da Associação de Alzheimer, em nota.

A liraglutida é uma análogo de GLP-1, classe de remédios que era destinada inicialmente à diabetes tipo 2, mas que nos últimos anos têm revolucionado o tratamento da obesidade. Outras moléculas que pertencem a essa classe são a semaglutida, do Ozempic e do Wegovy, fabricados pela farmacêutica Novo Nordisk, e a tirzepatida, do Mounjaro, medicamento produzido pela Eli Lilly.

Já a liraglutida é uma versão um pouco mais antiga dos análogos de GLP-1, presente no Victoza, para diabetes, e no Saxenda, injeção diária para perda de peso. Ambos os medicamentos são também do laboratório dinamarquês Novo Nordisk.

“O reaproveitamento de medicamentos já aprovados para outras condições tem a vantagem de fornecer dados e experiência de pesquisas anteriores e uso prático, de modo que já sabemos muito sobre a eficácia no mundo real em outras doenças e efeitos colaterais”, afirma Carrillo.

O novo estudo, ainda não publicado em revista científica, foi liderado pelo professor de Neurociências do Imperial College de Londres, Paul Edison. O trabalho envolveu 204 pacientes atendidos em 24 clínicas pelo Reino Unido. Metade (104) recebeu uma injeção diária de 1,8 mg de liraglutida durante um ano, enquanto os demais (102) receberam placebo ao longo do mesmo período. Os voluntários não sabiam em qual grupo estavam inseridos.

“Esses medicamentos reduzem a resistência celular à insulina. Há uma hipótese de que um dos mecanismos da doença de Alzheimer seja a resistência à insulina nos neurônios, e os agonistas da GLP-1 poderiam melhorar isso. Outros potenciais mecanismos dos agonistas do GLP-1 são a redução da inflamação cerebral, que é outro mecanismo do Alzheimer, e a “limpeza” de beta-amiloide, uma das proteínas associadas à doença”, explica a vice-coordenadora do departamento científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), Elisa Resende.

Antes de o estudo começar e após o seu término, os participantes passaram por exames de ressonância magnética cerebral para avaliar a estrutura e o volume do cérebro, outros de imagem que mediam o metabolismo da glicose e testes detalhados de memória.

O primeiro objetivo era observar se haveria uma mudança na taxa de metabolismo da glicose cerebral em determinadas regiões do órgão, o que não foi constatado ao fim do estudo. No entanto, os objetivos secundários, que envolviam alterações nas avaliações de cognição e no encolhimento do volume do cérebro, apresentaram resultados surpreendentes, com uma redução de 18% e 50% no ritmo do declínio, respectivamente, em relação aos pacientes do grupo placebo.

“A perda mais lenta do volume cerebral sugere que a liraglutida protege o cérebro, da mesma forma que as estatinas protegem o coração”, avalia Edison.

A menor perda de volume ocorreu em diversas áreas do órgão, incluindo frontal, temporal, parietal e matéria cinzenta total, que são responsáveis por funções críticas afetadas pela doença de Alzheimer, como memória, linguagem e tomada de decisões, explica o professor.

Essas alterações foram observadas por meio dos exames de imagem. Já o retardo do declínio cognitivo foi avaliado por 18 testes diferentes de memória, compreensão, linguagem e orientação espacial, todos feitos antes e depois do tratamento.

“Os resultados são animadores, porque as terapias modificadoras de doença para o Alzheimer, como os anticorpos anti-amiloide que foram aprovados nos EUA, por exemplo, mostram um aumento da atrofia cerebral com o tratamento, apesar da redução do declínio cognitivo. Esse é um paradoxo que ainda não é totalmente esclarecido, e quando vemos uma droga que reduz a progressão da atrofia cerebral, ficamos mais otimistas”, avalia Resende, que é também professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Os anticorpos citados pela especialista são o lecanemabe, vendido sob o nome comercial de Leqembi pelas farmacêuticas Eisai e Biogen, e o donanemabe, comercializado como Kisunla pela Eli Lilly. Eles atuam “limpando” as placas de proteína amiloide que se acumulam no cérebro de pacientes com Alzheimer.

Ambos mostraram benefícios ao reduzirem em cerca de 30% a perda cognitiva em pacientes com a doenças nos estágios iniciais. Porém, tem desafios, como a necessidade de serem aplicados em ambiente hospitalar e terem uma taxa elevada de efeitos colaterais graves, como hemorragias e edemas cerebrais. A União Europeia, por exemplo, negou o aval ao lecanemabe na semana passada por causa dos riscos.

Por isso, cientistas têm buscado novos caminhos terapêuticos, que possam aumentar a eficácia contra a doença ou ao menos ser mais acessível em termos de custo e de praticidade do tratamento. Hoje, há diversas medicações em testes que têm alvos diferentes da doença de Alzheimer, como a neuroinflamação.

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