Domingo, 23 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 22 de fevereiro de 2025
A conduta do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes de dizer ao delator Mauro Cid que ele seria preso e familiares dele seriam investigados caso não contasse a verdade tem provocado discussões sobre a atitude do magistrado e abriu margem para questionamentos pela defesa e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Em 21 de novembro de 2024, o tenente-coronel Mauro Cid compareceu à sala de audiências do STF pressionado por um pedido da Polícia Federal e parecer da PGR (Procuradoria-Geral da República) favoráveis à sua prisão por descumprimento dos termos do acordo de colaboração premiada que tinha sido firmado em 2023.
Moraes fez um longo preâmbulo antes de passar a palavra ao colaborador, alertando sobre a possibilidade de prisão, de revogação da colaboração e de continuidade de investigações contra seus parentes caso não dissesse a verdade.
Cid acabou mudando a sua versão em pontos capitais do caso e, ao final, viu a sua delação mantida e o pedido de prisão, retirado.
Trechos de nova versão do delator, que aborda uma reunião na casa do general Walter Braga Netto, foram usados na denúncia da Procuradoria-Geral apresentada na última terça-feira (18).
Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Prerrogativas (grupo de advogados alinhados ao governo Lula), diz que a conduta de Moraes deve ser entendida como um alerta ao colaborador, o que segundo ele é comum em audiências de colaboração premiada.
“Esses alertas são protocolares, acontecem em todas as audiências. Embora eu seja crítico a alguns métodos e formas de conduzir do Alexandre [de Moraes], neste caso há pessoas que estão sendo profundamente injustas ao fatiar a realidade para chegar a uma determinada conclusão. Estão construindo uma fake news”, disse Carvalho.
Ao longo da Operação Lava Jato, na qual o uso de acordos de colaboração como base em acusações foi recorrente, era comum a crítica de advogados sobre a pressão feita por autoridades aos delatores e réus presos.
O delator Marcelo Odebrecht, por exemplo, teve ações penais anuladas no ano passado depois que o ministro do Supremo Dias Toffoli entendeu que houve ilegalidades na condução do caso, como “utilização de prisões alongadas, além de ameaças a parentes”.
Para o professor de direito penal da FGV-SP e integrante do Conselho de Prerrogativas da OAB-SP Rogério Taffarello, na audiência com Cid Moraes cometeu um excesso verbal que, porém, não deve ser considerado um constrangimento ilegal.
“Quanto às advertências feitas pelo ministro durante a audiência, em boa medida ele estava, com suas palavras, alertando o colaborador das consequências jurídicas de eventual colaboração infiel aos deveres de transparência e de dizer toda a verdade. É desejável que juízes sejam contidos nesse tipo de advertência, mas infelizmente nossa cultura judiciária tem admitido essa dureza no tratamento de investigados”, disse Taffarello.
Procurado, Celso Vilardi, advogado de Bolsonaro, preferiu não tratar especificamente da fala de Moraes, mas afirmou que vai pedir a anulação da delação. Segundo o criminalista, a audiência de novembro com Mauro Cid não poderia ter existido, uma vez que à época o Ministério Público já havia pedido o cancelamento da colaboração premiada.
Em entrevista na quarta-feira (20), Vilardi indicou entender que a conduta de Moraes merece questionamento jurídico.
“O juiz da causa pode dizer ao colaborador que se ele não falar a verdade ele vai ser preso e perde a imunidade para sua filha, sua mulher e seu pai?”, indagou o criminalista na ocasião.
Parlamentares bolsonaristas enquadram a fala de Moraes como tortura e coação.
“Mauro Cid ‘mudou de versão’ bem na hora em que Alexandre de Moraes o ameaçou de prisão. Isso é prática de tortura”, disse o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente.
“Prenderam, deixaram ele sem ver as filhas e a esposa, ameaçaram prender familiares. Cid ainda teve a carreira arrebentada. Nesse cenário, a pessoa inventa até o que não viu para tentar se livrar”, completou.
O mesmo termo foi utilizado pelo líder da oposição na Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). “Não é delação premiada, é coação premiada. Ameaçar de voltar a prender o cara, a mulher do cara, a filha maior do cara e o pai do cara, o que que é isso? Tortura”, afirmou.
Mauro Cid foi preso duas vezes. Em 2023, ficou detido por quatro meses, tendo saído da cadeia ao firmar o acordo de colaboração.
Em março de 2024, ele foi novamente preso e passou 42 dias na prisão depois que a revista Veja revelou áudios em que ele criticava Moraes e colocava em xeque a lisura do acordo.
Em novembro, Moraes chegou a determinar que o telefone do tenente-coronel fosse grampeado, após a Polícia Federal identificar “omissões e contradições” na delação premiada do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. As informações são do portal Folha de São Paulo.