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Americano elogia cobertura da tragédia no RS feita pela imprensa brasileira e diz, que diante do impacto do clima no País, jornalistas devem tratar o tema como prioridade

Kyle Pope se dedica a uma organização que promove a cobertura das mudanças climáticas no mundo. (Foto: Reprodução)

Kyle Pope deixou o prestigiado cargo de editor-executivo da “Columbia Journalism Review”, revista dedicada à análise da produção jornalística nos Estados Unidos, para se dedicar a uma organização que promove a cobertura das mudanças climáticas no mundo. Em conversa com O Globo, Pope explicou como funciona a rede de colaboração Covering Climate Now, fez críticas ao X, antigo Twitter, e analisou a imprensa brasileira.

O senhor chegou ao Brasil em meio à tragédia das enchentes no RS. Qual a sua análise sobre o trabalho da imprensa brasileira?

Vocês abordam o assunto de forma muito mais competente que nos EUA. Os efeitos das mudanças climáticas são um fato científico e, por isso, inquestionável. Mas, no meu país, o tema foi sequestrado pela guerra cultural, e isso atrapalha a cobertura. No Brasil, o tema também cai na guerra cultural, mas não vejo tanta relutância. A imprensa aborda a tragédia no contexto de clima e combate à desinformação.

Reportagens sobre mudanças climáticas não geram tanto engajamento. O que fazer?

Se você está escrevendo sobre algo importante, mas o público não se interessa, é problema seu. Durante muito tempo, a cobertura se limitou a relatórios do IPCC e imagens de satélite, coisas distantes das pessoas. Hoje, as consequências das mudanças climáticas são uma realidade. A imprensa precisa contar as histórias humanas ligadas a isso.

Este ano teremos eleições. Como tornar as mudanças climáticas tema na cobertura?

O Brasil acabou de viver uma tragédia por causa do clima, no Sul, e a Amazônia sofreu uma seca devastadora em 2023. Há outros impactos no país. Acho que nenhum candidato pode ficar sem ouvir perguntas sobre o que ele fará para lidar com as mudanças climáticas em um nível local.

Qual motivação para se dedicar ao Covering Climate Now?

O trabalho da “CJR” é observar como as redações estão cobrindo diversos assuntos. Entre 2017 e 2018, comecei a prestar cada vez mais atenção no noticiário sobre o clima e ficou claro que a cobertura não estava à altura da urgência com que a ciência alertava sobre as mudanças no planeta. Ouvi uma série de justificativas. Muitos diziam que era um tópico politizado, e eles não queriam afastar parte do público abordando o tema com frequência. Ou diziam que as pessoas não queriam ler sobre aquilo por se tratar de um assunto triste. Então, liguei para um colega que cobre esse assunto, Mark Hertsgaard, e escrevemos um artigo criticando a cobertura do clima na imprensa americana e organizamos uma conferência. Mas vimos que não era o bastante. Então, criamos o Covering Climate Now para atuar como rede de colaboração entre jornalistas para promover a produção de conteúdo sobre o tema.

Qual o recado mais importante a ser disseminado nas redações?

O tema das mudanças climáticas deve ser abordado por todas as equipes. As consequências do que está acontecendo com o planeta afetam as pessoas em áreas como esportes, moradia, política, economia, cultura… Não é necessário contratar uma porção de especialistas, mas é preciso treinar todos os jornalistas para que sejam repórteres do clima. A gente cita o exemplo da Covid. Durante a pandemia, todos os jornalistas só escreviam sobre isso, em qualquer área. Como as mudanças climáticas são um assunto também global e urgente, deve ser tratado da mesma forma.

Antes de deixar a “CJR”, escreveu um artigo que incluía orientações. Uma delas dizia para jornalistas e veículos abandonarem o X.

Elon Musk não está interessado em lutar contra a desinformação em sua rede social. A plataforma virou um lugar perigoso para jornalistas, que estão sendo atacados ali. Hoje, o X ajuda a aprofundar os silos de desinformação. Não adianta ficar na rede para combater a desinformação porque, com Musk no comando, essa é uma luta que a gente não vai vencer.

Há um lado positivo para se abordar na questão do clima?

Há uma série de soluções sendo desenvolvidas para amenizar os efeitos das mudanças climáticas. Muita gente mobilizada. A imprensa pode mostrar essas iniciativas. Além disso, a crise planetária nos oferece a oportunidade de rever nosso comportamento em várias áreas. Como comemos, como trabalhamos, como viajamos… Pode-se fazer a pergunta “como você gostaria de reimaginar tudo em nossas vidas?”. Isso pode ser encarado como algo positivo.

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