Ando pelas ruas em busca de entendimento. Vejo que as pessoas não massacradas pela miséria estão pensando em alguma saída para o tornado de escândalos que se abateu sobre nossas cabeças. A crise destrói o País e muda nossas mentes e corações. Cada um leva consigo uma forma de melancolia. É a grande neurose nacional do “que fazer?” E diante de todos se ergue o mistério da solução remota.
Um dos grupos mais comuns é a turma do “precisamos”. Eles estão em botequins, em universidades, em jornalistas e comentaristas de TV, em táxis e passageiros. Eles dizem sem parar: “Precisamos de…” “precisamos mudar a realidade do País!” – mas ninguém sabe como. Ficou tão visível nosso entulho histórico que “precisamos” fazer alguma coisa.
Fazer o quê? Diante da muralha de impossibilidades, como destrinchar o sarapatel de crimes que se emaranham em um nó cego? Como dar conta das chicanas do Judiciário, dos cabelos implantados, das cabeças acaju ou asa da graúna. Quem vai dar conta do cafajestismo dos donos do poder? Quem punirá os conluios públicos e privados? Quem vai dar dentes à população? Quem vai destrinchar os aditivos de contratos, os ajustes fiscais negados por interesse pessoal? Quem vai impedir os assaltos aos fundos de pensão? Quem fará? Ninguém sabe, mas nos abrigamos nessa esperança vã.
Andando, vejo que mais adiante estão os “lamentosos”, primos da turma do “precisamos”. Os lamentosos choram pela grandeza imaginada e perdida, choram pelos sonhos que tinham para um País melhor. Sentem-se traídos pela história política, pela vida. E têm nisso um pequeno lucro: consideram-se bons, dignos sofredores, vítimas de uma grande conspiração invencível. Choram por si mesmos.
Na outra esquina encostam-se os “pessimistas de carteirinha”. São consolados por uma sabedoria desencantada, pois acham que as vacas já foram para o brejo, que já pulamos da beira do abismo e que “essa porra não tem mais jeito não”. E afundam em deliciosa depressão.
Nos restaurantes e em apartamentos com vista para o mundo, gargalham os “profetas felizes”, a turma do “eu não disse?”. “Sempre falei isso e ninguém ligava; agora esta bosta explodiu mesmo!” A zona geral lhes permite posar de profetinhas. E com desdém, com sorridente desgosto, pedem mais um uísque, felizes, orgulhosos por sua clarividência premonitória.
Nos bancos de praça e nos meios fios encolhem-se os “fatalistas” com amarga paralisia conformada: “tinha de ser assim, é assim que é, maktoub, é a vida, o destino, que fazer? Tudo estava escrito”. E eles suspiram, aliviados pela paz da submissão.
Em cantos escuros e becos, em beira de calçadas estão os descabelados, de olhos em pânico, ameaçados pela chuva ácida das notícias. São os que sofrem do “delírio de ruína”, onde tudo que era sólido se desmancha no ar. Caem pedras, caem cometas, caem horrores, caem o PCC, a fome, o Estado Islâmico, as cabeças degoladas, os homens bomba, as mudanças climáticas – tudo se soma numa massa informe de problemas insolúveis. E ficam desesperados em meio aos escombros: “Estamos perdidos; o mundo acabou logo agora que eu estava melhor de vida. Só falta a terceira guerra mundial!”.
E, por cima deles, nos colóquios, nos seminários, nas universidades flutuam os discursos de análise política límpidos, a sociologia infalível, a orgulhosa ostentação da verdade. “Nós sabemos a verdade: podemos simplificar tudo em fórmulas quase matemáticas. Está tudo claro em nossas teses de doutorado. O problema é que o Brasil não se curva às nossas teses.”
Temos uma nova raça também: os “neoantipetistas”, os caras que já sacaram que Dilma virou Judas em sábado de aleluia, querem sair fora e faturar uma neo-oposição para ganhar prestígio entre os que, antes, eles chamavam de “neoliberais.” Os pais desse movimento que se espraia são os dois presidentes do Congresso, tranquilos, apesar de acusados pela Justiça. É a maravilhosa tropa de ratos pulando do navio.
E o “pavilhão dos narcisistas?” Acham que a crise é contra eles. “Sabe o quê mais? Não quero saber dessa merda toda, vou me fechar em mim mesmo, curtir a vida, graças a Deus tenho uma graninha para ir para Miami. Poluíram meus sonhos de plenitude; o País estaria salvo se fosse igual a mim…”
Temos, principalmente na Academia, o bando dos “hegelianos do barulho”, que proclamam que tudo de ruim que acontece não passa de uma “contradição negativa” que nos levará a uma síntese de harmonia. Todos os crimes são o prenúncio de uma era de vitória do “geist”, do fim da História, da qual eles se acham os agentes. Não sabem que tudo que é real é irracional. São felizes – para eles, a desgraça é a véspera da luz.
Temos também os “saudosos de porrada”, que clamam pela volta da ditadura. Anseiam pelo simplismo verde-oliva, a solução na base do “bota para quebrar, tem mais é que fuzilar essa putada corrupta!.” Comum em motoristas de táxis e milionários indiciados pela Justiça.
Temos os corruptos indignados: “que País é esse?”, sem esquecer os “os enojados e os entediados. Reclamam: “Ai que horror, não consigo nem ver essa lama escrota, esse chiqueiro” Ou: “Ai, que saco; não aguento mais denúncias de corrupção… coisa chata… nem leio mais jornais…”
Outra maravilha psíquica são os pelotões dos meio-intelectuais meio de esquerda, meio artistas que veem toda a catástrofe em volta, mas continuam crendo nos slogans e delírios dos neobolivarianos. É a multidão do autoengano, que não muda de opinião, a turma do “mesmo assim”: “Sei que está tudo uma bosta, mas, mesmo assim, continuo crendo na ideologia do lulo-socialismo”. É a fé: “creio porque é absurdo”.
E temos o perigo da “pizza da sociedade”. Por causa do congestionamento dos escândalos, tantos que parecem uma enchente sem foz, a sociedade pode vir a se acostumar com nosso eterno erro histórico e, congregando os biótipos relatados acima, podem formar a intragável pizza da sociedade. Ou seja, como disse uma vez M.H. Simonsen, se essas neuroses permanecerem, seremos para sempre um país “com anestesia, mas sem cirurgia”.