Imersos numa agenda de profundas transformações, salpicada por conflitos de toda a ordem, enfrentamos um oceano de incertezas, colocando à deriva a resiliência de todos nós. Não é prematuro, portanto, julgar que estamos com forte inclinação e reais motivos ao pessimismo. Mas será que o quadro atual é de tal forma tenebroso a ponto de justificar tamanha insegurança em relação ao futuro? Se ouvirmos, por exemplo, o consagrado pensador israelense Yuval Harari, certamente que sim. Para ele, nossa insônia faz todo o sentido ao compreendermos, pelo menos em parte, os riscos associados com três grandes ameaças existenciais que pairam sobre a humanidade. Duas delas, são relativamente antigas e uma ameaça emergiu somente nos últimos anos. A irresolvida agenda nuclear, agora com novos protagonistas e com uma claudicante força institucional global a garantir relativa estabilidade, permanece feito uma espada sobre as nossas cabeças. Não menos ameaçadora, a questão climática, a despeito dos sempre presentes negacionismos sobre o tema, dá provas diárias de sua atualidade dramática. A novidade, nesse cardápio apocalíptico, ficou reservada para um eventual descontrole no uso da Inteligência Artificial, ameaça cada vez menos negligenciada por especialistas e empresários que atuam no setor.
Nesse cenário de enormes inquietações, além dos riscos mais insinuantes apontados por Harari, até que ponto podemos afirmar que a paz entre as nações consegue fluir na presente corrente otimista dos progressos da ciência, em contraste com a continuada estupidez humana no terreno da guerra? Os atuais conflitos no Oriente Médio e na Ucrânia, associados ao realinhamento geopolítico em curso, com a China na proa desse movimento, trazem dúvidas sobre esse eventual otimismo. Como estamos nos saindo quanto às perspectivas de paz? De que modo o “deus da guerra” vem sendo contido, pelo menos em suas proporções mais apavorantes? Embora muitos discordem de que o passado seja um bom conselheiro, olhar os números da violência retrospectivamente, nos permite confrontar contingente viés de negatividade que porventura obstrua nossa perspectiva, com uma lufada de esperança e que não seja considerada apenas um devaneio. Não se trata, obviamente, de negar a gravidade dos fatos do momento, mas colocá-los sob um escrutínio menos passional e historicamente melhor situado.
Steven Pinker, nessa linha, propôs, através do livro “Os anjos bons da nossa natureza”, que a partir da primeira década do século XXI, todas as medidas objetivas de violência no mundo estavam em declínio. Mesmo com a atual avalanche de más notícias, tudo sugere que a tendência de um mundo menos conflagrado continue. Pode soar estranho afirmar isso enquanto somos diariamente bombardeados por morticínios, crimes de ódio, atrocidades e atos terroristas transmitidos ao vivo e em cores. O fato é que, após o mar de sangue ocorrido nas duas últimas grandes guerras mundiais, os conflitos entre grandes potências foram sendo limitados. Neste período que agora vivemos, a frequência, duração e letalidade das guerras, conquanto ainda existam, declinaram com bastante vigor. Fazer guerra, embora na maior parte da história humana tenha sido uma espécie de passatempo natural dos governos, vem arrefecendo na medida em que democracia e desenvolvimento econômico se fortalecem.
Muito embora as razões para as guerras sejam por demais intrincadas, a realidade é que o militarismo idealizado não conta mais, pelo menos não ostensivamente, com a aquiescência de intelectuais, a exemplo da frase histórica de Hegel de que “as guerras são necessárias porque salvam o Estado da petrificação e estagnação social”. Ao contrário, a lenta marcha da história, a duras penas, descortinou que a vida humana é mais preciosa do que a eventual glória, honra, primazia, virilidade e heroísmo que tantas vidas ceifaram em nome de um ideal tanto romântico quanto brutal.
(@edsonbundchen)