Quarta-feira, 04 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 29 de outubro de 2017
Uma resolução publicada na reta final da gestão de Rodrigo Janot à frente do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) permite a promotores e procuradores realizar vistorias, inspeções e diligências, e requisitar informações e documentos de autoridades públicas e privadas sem autorização judicial. As normas são contestadas por entidades de representação de magistrados, advogados e policiais federais por conceder “superpoderes” ao MP na investigação criminal.
A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ajuizaram recentemente ações no STF (Supremo Tribunal Federal), nas quais questionam a constitucionalidade da Resolução 181. A ADPF (Associação dos Delegados da Polícia Federal) vai ingressar com pedido de amicus curiae – como parte interessada nos processos. As queixas já estão sob análise da procuradora-geral Raquel Dodge, tanto na PGR como no conselho.
Editadas no dia 7 de agosto – Janot deixou o comando da PGR (Procuradoria-Geral da República) e do CNMP em 17 de setembro – para regular o procedimento investigatório criminal (PIC), as regras reacendem críticas à forma como o MP conduz seus trabalhos e lançam mais polêmicas sobre como o órgão foi liderado pelo ex-procurador-geral, que se viu envolto em uma série de controvérsias à frente da Operação Lava-Jato e na delação premiada do Grupo J&F.
Um dos superpoderes, segundo a AMB, está previsto no artigo 7.º da resolução. De acordo com o parágrafo 1.º do dispositivo, “nenhuma autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de função pública poderá opor ao Ministério Público”. “O CNMP inseriu uma norma inusitada, para dizer o mínimo”, afirma a entidade, “cuja redação rebuscada e criativa contém comando que permitiria ao MP promover a quebra de qualquer sigilo dos investigados, sem ordem judicial”, escrevem os advogados da AMB Alberto Pavie Ribeiro, Emiliano Alves Aguiar e Pedro Gordilho.
O conjunto de normas, de acordo com o presidente da Abac (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas), Elias Mattar, extrapola prerrogativas de Poderes e da polícia. “Só existem três Poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O MP não é um Poder”, diz. “A resolução trata de regulamentação de inquérito policial e processo penal, matérias que são de competência constitucional do Congresso Nacional”, argumenta Mattar, para quem o conjunto de regras é “uma excrescência”.
A expansão das atribuições do CNMP é questionada também pelos delegados federais. “Não pode um conselho, que tem por missão constitucional fiscalizar o cumprimento da lei por parte dos membros do Ministério Público, os promotores e os procuradores, aumentar os seus poderes ao arrepio da legislação. Isso é totalmente contrário àquilo que a Constituição previu para o Conselho Nacional do Ministério Público”, afirma Carlos Eduardo Sobral, presidente da ADPF. A resolução influencia principalmente a atuação do Ministério Público Federal e do Ministério Público nos Estados.
“Não persecução”
O capítulo da resolução que trata do acordo de não persecução penal – medida para evitar o processo – também está na mira de juristas. De acordo com as normas, em caso de delitos cometidos sem violência ou grave ameaça (incluindo o crime de corrupção), o MP poderá propor ao investigado o acordo e, em caso de seu cumprimento integral, a investigação será arquivada. As cláusulas negociadas, porém, não serão levadas à Justiça para análise, seja pela rejeição, seja pela aceitação.
Procuradores
A Resolução 181 do Conselho Nacional do Ministério Público é defendida pelo presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), José Robalinho Cavalcanti. “A resolução não vai além do que já é previsto. Se a gente voltar atrás, operações como a Lava-Jato correm sérios riscos.”
O procurador, porém, admite a necessidade de revisão. “Não está claro no texto que as investigações tocadas pelo Ministério Público devem passar pelo crivo do Poder Judiciário”, explica.
Robalinho não vê problema no fato de a resolução ter sido publicada no “apagar das luzes” da gestão Janot. “É natural que as coisas que estavam pendentes fossem discutidas e a pauta fosse limpa.” A procuradora-geral Raquel Dodge, em nota, afirma que vai dar posicionamento oficial “no momento oportuno”.