Ícone do site Jornal O Sul

Anulação de provas autorizada por ministro do Supremo gera corrida de delatores da Operação Lava-Jato condenados na Justiça

Segundo esse realismo fantástico toffoliano, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba teria se valido de “tortura psicológica”. (Foto: Carlos Moura/STF)

Um ano após anular todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht (atual Novonor), o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), acumula em seu gabinete mais de 20 processos derivados de sua decisão que abriu um ciclo de desconstrução de medidas tomadas no âmbito da Operação Lava-Jato. Das 46 petições em tramitação no gabinete do ministro em Brasília, 24 são de investigados pela Lava-Jato, em especial de delatores.

Muitos deles integram a lista dos 77 ex-executivos da Odebrecht, e alguns pedem a suspensão das colaborações e a devolução de multas. Em um “efeito cascata”, a decisão de Toffoli – de setembro de 2023 – tem servido de base para sentenças e despachos em varas de primeira instância e tribunais que foram base da operação.

O primeiro resultado concreto foi registrado na última sexta-feira (6): o juiz Guilherme Roman Borges, da 13ª Vara Criminal de Curitiba – a vara original da Lava Jato –, anulou os acordos de colaboração premiada e não persecução penal firmados por Jorge Luiz Brusa e ordenou que sejam devolvidos a ele R$ 25 milhões pagos em multas.

Apontado pela força-tarefa da operação como responsável por operações de lavagem de dinheiro, Brusa não chegou a ser denunciado justamente por causa do acordo de não persecução – instrumento pelo qual o réu confessa um crime e se compromete a cumprir uma série de cláusulas definidas pelo Ministério Público em troca do arquivamento da ação penal. Ele se tornou colaborador premiado, com acordo de delação homologado em janeiro de 2020.

Entre os que solicitam a extensão da decisão que anulou as provas da Odebrecht está o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, que teve sua prisão decretada em 18 de julho. Denunciado por corrupção, associação criminosa e lavagem de dinheiro, Duque foi acusado de receber propinas em contratos da estatal com a Andrade Gutierrez e com a Odebrecht, incluindo obras como a Refinaria Getúlio Vargas, a Refinaria Abreu e Lima e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro; ele foi condenado a 39 anos de detenção. Toffoli ainda não decidiu sobre a petição de Duque, impetrada logo após o mandado de prisão ter sido expedido.

Antes da prisão de Duque ser decretada, a defesa chegou a pedir que a medida não fosse determinada até que a Justiça Federal resolvesse “questões apuradas no âmbito da Operação Spoofing” – investigação sobre hackers que invadiram comunicações de procuradores e de Moro. Segundo os advogados do ex-chefe da Petrobras, tais questões poderiam “redundar na anulação de condenações” proferidas pela 13ª Vara Federal de Curitiba, base da Lava-Jato.

Lobista e empreiteiro

Outro caso de tentativa de reaver valores pagos em multas é o de Adir Assad, empresário apontado como lobista e operador de propinas, que foi condenado e preso por operações de lavagem de dinheiro junto à Odebrecht. Ele pediu a suspensão da multa do acordo de R$ 50 milhões fechado com o Ministério Público Federal em 2017. A defesa de Assad alegou suposta “falta de voluntariedade” na celebração do pacto. Toffoli sinalizou à defesa que o TRF-4, em Porto Alegre, seria o foro adequado para analisar o pedido.

Indicação semelhante ocorreu com Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS – empresa integrante do chamado “clube vip” do cartel de empreiteiras que se associava para fraudar licitações e superfaturar contratos. O ministro do STF disse que a solicitação de suspensão da multa deveria ser apresentada a seu colega Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo.

O próprio Jorge Luiz Brusa acionou Toffoli antes de recorrer à 13ª Vara Criminal de Curitiba. Em março, o ministro do STF negou o pedido e indicou que a defesa deveria acionar o “juízo natural do feito” – a vara que homologou os acordos –, que teria condições para analisar o caso “com a cautela e a verticalidade necessárias”.

Em sua decisão da última sexta, o juiz da 13ª Vara de Curitiba concluiu que as provas que levaram à investigação de Brusa comprometeram os acordos. “Sendo as provas declaradas nulas, nulo também é o próprio acordo, a sua homologação e quaisquer efeitos dele decorrentes, como os pagamentos realizados”, escreveu.

O magistrado afirmou ainda que o caso está prescrito e, por isso, o Ministério Público nem sequer poderá buscar a assinatura de um novo acordo de colaboração com Brusa. Na semana anterior, com base na mesma decisão de Dias Toffoli, o juiz já havia trancado uma ação penal da Lava-Jato contra dois executivos e um ex-advogado da petroquímica Braskem.

Sair da versão mobile