“Amor, come devagar”, “Filho, mastigue mais vezes”, “Cara, você praticamente engoliu a comida”… Cresci ouvindo broncas e conselhos como esses. Quando eu prestava um pouco mais de atenção, diziam que eu havia engordado por causa dessa minha afobação alimentar. Quem sabe? Faltava uma explicação científica convincente. Talvez agora ela exista.
Depois de aprender um pouco sobre enzimas digestivas, ainda no ensino médio, ganhei um argumento para tentar refutar quem questionava minha voracidade ao comer: com o bolo alimentar não tão bem macerado, seria mais difícil que as enzimas entrassem em contato com ele, “privando” o organismo de aproveitar todo o potencial energético da comida – evitando, assim, o acúmulo na forma de gordura.
Mas minha alegria durou pouco. Logo depois me contaram que, ao comer rápido demais, não dá tempo de o estômago avisar o cérebro de que já está cheio. Faz sentido: a comunicação nervosa entre o cérebro e vísceras é muito mais lenta do que aquela entre cérebro e músculos. Para mexer um braço, leva uma fração de segundo. Para uma sensação estomacal chegar – ou deixar de chegar, no caso de uma dor – ao cérebro, leva minutos.
Dessa forma, ganha respaldo aquela clássica abordagem nutricional de comer folhas e salada crua antes da parte mais calórica da refeição (com arroz, massas e carnes, por exemplo): a saciedade trazida pela salada impediria a pessoa de se esbaldar nas calorias do que vem a seguir.
E se uma pessoa tem uma mastigação demorada (facilitando que o cérebro receba o sinal da saciedade) e, apesar disso, não tritura tão bem o alimento (impedindo uma boa absorção dos nutrientes)? Seria o melhor dos mundos para não engordar?
Provavelmente não, de acordo com os resultados de um estudo recém-publicado na revista especializada Appetite. Ao estudar 231 adolescentes com e sem sobrepeso (entre 14 e 17 anos), pesquisadores brasileiros constataram que as meninas com uns quilinhos a mais tendem a apresentar esses dois comportamentos.
A pesquisa não consegue estabelecer uma relação causal entre o tipo de mastigação e a obesidade, mas serve para que os cientistas consigam elaborar hipóteses que ajudem a explicar o fenômeno.
Essa observação não vale para os meninos, que, em média, tem uma força quase 50% maior que aquela das garotas, além de mastigarem mais vezes por minuto e, talvez como consequência disso, levarem cerca de 20% menos tempo para executar a cotidiana tarefa de comer um biscoito de chocolate recheado.
A líder do estudo, a pesquisadora Paula Midori Castelo, diz que a ideia desse projeto era ver se obesos realmente mastigam diferente. “Tem muita coisa que parece crendice”, diz.
Ela enumera uma série de atitudes deletérias para a formação de um “bolo alimentar ideal”. Uma é ingerir bebida para “empurrar” a comida. Outra é abusar de molhos e caldos nas refeições.
Outro estudo, chinês, publicado em 2011 no American Journal of Clinical Nutrition verificou que quanto mais ciclos mastigatórios, mais se altera a produção de alguns hormônios importantes para a sensação de saciedade: o nível de grelina diminui e o de CCK (colecistocinina) e de GLP1 aumentam, provocando menos ingestão calórica.
Os especialistas são categóricos ao dizer que a mastigação e a velocidade de ingestão são apenas alguns dos possíveis fatores que podem contribuir para a obesidade (outros são o tipo de dieta e fatores genéticos, por exemplo). Ao que tudo indica, porém, não são fatores que podem ficar do lado de fora da equação durante o esforço de entender a doença. (Gabriel Alves/Folhapress)