Sábado, 16 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 24 de agosto de 2024
Quando se trata de doenças e envelhecimento, a compreensão do DNA pode oferecer muito mais do que detecção de risco de problemas de saúde. Genes não são donos do nosso destino, afirma o geneticista molecular Mariano Zalis.
Ele tem se dedicado ao estudo da epigenética, a ciência que investiga como os nossos genes são ativados ou desativados sem que a sequência do DNA seja modificada. Para o chefe do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), “podemos influenciar nossos genes e nos reinventar, mesmo depois dos 60 anos”.
1) Estudos recentes têm revelado que dietas baseadas em vegetais podem reduzir a idade biológica das pessoas. Como o estilo de vida influencia mecanismos tão complexos, como a regulação genética?
Genes não são donos do nosso destino. Eles não se controlam por si próprios. Quem controla é o meio ambiente, isto é, a forma como vivemos, tudo o que está a nossa volta, os acontecimentos ao longo de nossa vida, nossos hábitos. E nisso nosso cérebro cumpre papel fundamental.
2) Por quê?
Porque nossas células não enxergam o meio ambiente, quem vê é o cérebro. Tudo o que sentimos passa por ele. O cérebro transforma sensação em informação e isso vai para as células.
3) E os genes?
Os genes são regulados a partir de reações à informação do meio ambiente. Apenas cerca de 1% das doenças são hereditárias, determinadas exclusivamente por um componente genético. E mesmo assim, o efeito é limitado. Somente cerca de 10% dos casos de câncer de mama e colorretal são de origem hereditária. Ainda assim, apresentar uma mutação nos genes BRCA 1 ou 2, por exemplo, não é certeza de câncer de mama. A maioria das doenças está relacionada às interações do nosso corpo com o mundo a nossa volta.
4) Coisas boas ajudam?
Sim. Bons hábitos, levar a vida de forma positiva realmente ajuda.
5) E o estresse?
O estresse de qualquer tipo ao longo da vida é fator de doença. Isso inclui alimentação e maus hábitos. Hoje vemos pessoas jovens com tipos de câncer que antes só surgiam após a meia-idade. O fumo e a má alimentação têm um peso negativo imenso sobre a regulação dos genes. Já o exercício promove grande impacto positivo.
6) E o papel da genética?
Claro que ela tem peso. Mas não é determinante para a imensa maioria das doenças e também para a forma como envelhecemos. Gêmeos univitelinos compartilham o genoma, mas expressam cargas genéticas diferentes e envelhecem de forma distinta, porque os genes são regulados e respondem aos estímulos que recebemos ao longo da vida.
7) E quando começa a influência sobre o genoma?
Nascemos com uma herança genética, mas ela vai sendo moldada por fatores externos desde a gestação. Quando ocorre a fecundação, a carga genética transmitida pelo pai e a mãe pode ser boa ou ruim, dependendo das experiências deles. Porém, o corpo tem um mecanismo de reset, de limpeza epigenética, que apaga essa carga epigenética. Isso acontece para que uma nova vida possa começar e trilhar seu próprio caminho. Talvez uma pessoa mais saudável ou mais feliz.
8) Todas as marcas que herdamos são apagadas?
Não. Existem marcas muito fortes deixadas por acontecimentos dramáticos, como guerras, fome, desastres, a pandemia, que não só não são apagadas em algumas pessoas, quanto ainda poderiam ser transmitidas, de alguma forma, para as gerações seguintes. Há estudos que sugerem isso.
9) Que tipo de estudo?
Por exemplo, sobre o Holocausto, que é muito bem documentado. Em Israel há estudos com três gerações de sobreviventes e seus descendentes. E essas pesquisas detectaram uma frequência significativa de, por exemplo, distúrbios metabólicos nos filhos e netos de sobreviventes dos campos de concentração nazistas. Também de distúrbios psicológicos, como claustrofobia. Estudos na Holanda, com descendentes das pessoas que sofreram com a fome na infância causada pelos bloqueios de alimentos na Segunda Guerra, tiveram resultado semelhante. É perturbador. Eu mesmo descendo de sobreviventes do Holocausto.
10) Como essas marcas genéticas funcionam?
O cerne é um mecanismo genético chamado metilação. Em linhas gerais, a metilação é a sintonia fina, que regula onde, quando, a velocidade e a intensidade com que um gene se expressa.
11) E como a epigenética entra nisso?
A epigenética não se baseia no estudo do genoma em si. Mas sim na forma como os genes se comportam. Temos muito mais características do que genes e a metilação é fundamental para isso. A visão clássica de que um gene é a receita de uma proteína é apenas um modelo teórico muito simplificado. A vida real se expressa de forma complexa e a metilação é o agente dessa diversidade. É ela que faz que genes importantes para o coração se expressem nele e não em outras partes do corpo, por exemplo.