Quinta-feira, 09 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 14 de fevereiro de 2022
“Moça, você queimou a sua pele? O que é esse estrago?”, perguntou o vendedor do quiosque de água de coco há pouco mais de um mês quando Bruna Sanches decidiu comprar um refresco para tentar aplacar o verão do Rio de Janeiro. Se a abordagem tivesse sido feita anos antes, quando o vitiligo ainda era um problema para a paulistana, o dia na praia teria terminado ali. Nem praia teria tido, na verdade – sua pele repleta de manchas claríssimas estaria escondida sob tecidos.
Agora a história é outra. “Isso não pega. É que eu nasci com duas cores, moço”, respondeu de bom humor a diretora de arte de 34 anos, diagnosticada aos 18 anos.
Bruna faz parte dos 0,5% da população brasileira, cerca de 1 milhão de pessoas, segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), que convive com o vitiligo.
A condição faz com que a pele perca melanócitos, células que dão origem à pigmentação cutânea. O resultado é um mosaico de formas despigmentadas pelo corpo, que em geral não doem, mas normalmente atraem olhares de quem não está acostumado ao diferente.
O mesmo tipo de abordagem e olhares costuma fazer parte do dia a dia de quem tem outros distúrbios crônicos de pele, como acne, dermatite atópica, psoríase e urticária crônica espontânea. Juntas, as doenças afetam milhões de brasileiros e, apesar de não serem transmissíveis, carregam um estigma difícil de ser superado.
Além dos comentários invasivos e maldosos, pessoas que convivem com esse tipo de condição na pele precisam enfrentar não só os sintomas físicos, mas também toda a carga emocional que acompanha o diagnóstico. Manter uma rede de apoio atrelada ao cuidado com a saúde mental é um dos pilares na luta por qualidade de vida.
“Há uma incidência maior de depressão, ansiedade e distúrbios do sono na população que enfrenta alguma doença de pele. Seja pela existência dos próprios sintomas ou pelo impacto social e emocional que eles geram”, explica a dermatologista Camila Nogueira, da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
Como forma de defesa, quem tem uma pele com lesões, descamações e vermelhidão tenta se esconder dos olhares dos outros a todo custo. “Esse é um movimento muito comum, que pode acabar levando até mesmo ao isolamento social”, afirma a psicóloga Jéssica Schimitt, especialista em terapia de família com foco em psicodermatologia.
Preconceitos
A falta de conhecimento também é combustível para uma série de preconceitos. Quase metade dos brasileiros, por exemplo, acredita que a dermatite atópica (DA) é causada por maus hábitos de higiene; 47%, segundo pesquisa do Datafolha. As percepções errôneas seguem com a crença de que alguém com dermatite atópica não deveria ter contato com crianças (46%), sair de casa (36%) e tampouco usar o transporte público (33%).
De onde vem tanto preconceito com as doenças de pele? Jéssica arrisca um palpite: as histórias bíblicas que retratavam pessoas com hanseníase, cujo termo pejorativo, “lepra”, ainda ronda o vocabulário de muita gente. Apesar de contagiosa, tem cura e tratamento gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “(Na Bíblia), esses pacientes eram isolados e excluídos da sociedade para não contagiar outras pessoas”, diz.
A falta de conhecimento não se restringe aos leigos. Muitos profissionais da Saúde também têm dificuldade de identificar corretamente as diferentes condições que afetam o maior órgão do corpo humano. “Recebo pacientes encaminhados com diagnósticos muito errados de coisas que não precisa ser um dermato para saber. Falam para o paciente que é contagioso, quando não é”, diz a dermatologista e professora Lívia Pino.
Condições dermatológicas
As doenças a seguir têm origem multifatorial e forte componente genético. Não são transmitidas para outras pessoas e tampouco têm relação com falta de higiene.
— Acne: Causada pela inflamação de folículos e glândulas sebáceas, a acne clássica tende a se iniciar na puberdade. A proliferação de bactérias como a Cutibacterium acnes favorece o surgimento das lesões.
— Dermatite atópica: Uma deficiência de lipídios que protegem a barreira cutânea torna a pele suscetível ao ressecamento. Isso provoca coceira incessante, formando placas espessas e lesões inflamadas pelo corpo. Muito comum em crianças (de 15% a 25%), ela afeta 7% dos adultos.
— Psoríase: Caracterizada por placas avermelhadas e intensa descamação, costuma se manifestar nos cotovelos, nos joelhos ou no couro cabeludo. No mundo, a estimativa é de que 125 milhões de pessoas convivam com a doença.
— Urticária Crônica Espontânea: Diagnósticos errôneos dificultam tratamentos assertivos para esta condição que impacta muito a qualidade de vida. A coceira intensa forma lesões que se mantêm ativas por mais de seis semanas.
— Vitiligo: Se caracteriza por manchas brancas (perda da coloração da pele) devido à diminuição ou ausência das células responsáveis pela formação da melanina, pigmento que dá cor à pele. A condição está associada a algumas doenças autoimunes.