Domingo, 30 de março de 2025
Por Redação O Sul | 26 de março de 2025
Enquanto o Brasil real enfrenta os desafios do presente, sobretudo a inflação e a violência, Jair Bolsonaro aposta no passado como estratégia de sobrevivência e tentativa de evitar uma eventual prisão. Assim, usa seu julgamento como um palanque, tentando reativar a energia de 2018 em um cenário político que já não vibra tanto ao som de suas palavras. É a última trincheira de um líder que, acuado, tenta fazer da vitimização seu maior ativo.
Mas a comoção em torno dessa estratégia se mostra pouco eficaz para romper a bolha de apoio que o sustenta. Dados apurados pela AP Exata – Inteligência Digital mostram que o episódio atual serviu apenas para alimentar a já consolidada polarização política brasileira.
Foram analisadas 212 mil publicações feitas no X, Instagram e Facebook, nos dias 25 e 26 de março. Desse total, 47,1% dos posts celebraram a decisão do STF que tornou Bolsonaro e seus aliados réus no inquérito do golpe. Outros 44,4% saíram em sua defesa, enquanto 8,5% se limitaram a registrar o fato, sem tomar partido.
Os que defendem o ex-presidente são, em grande parte, o núcleo duro de militantes, que repete o discurso de perseguição política. São convictos, mas não se multiplicam.
Do lado oposto, os que apoiam a decisão do STF formam um grupo mais heterogêneo. Vão de petistas raiz a perfis moderados, que, mesmo sem simpatia por Lula, reconhecem na judicialização uma tentativa de proteger a democracia.
Enquanto isso, o cotidiano do país se impõe. O cidadão comum se preocupa com o supermercado, a segurança do bairro e os boletos que vão vencer. Melhorar a vida das pessoas exige respostas práticas. Algo que nem o governo atual, com sua gestão titubeante, nem o ex-presidente, atolado em delírios autocentrados, têm conseguido oferecer.
No caso de Bolsonaro, esses delírios o fazem ver, no enganoso espelho da vaidade, reflexos do gigante de outrora. Ainda se entende como um Midas eleitoral, o que o deixa em um pedestal no qual deve ser venerado e pode se dar ao luxo de atirar aos leões aliados que, eventualmente, tropeçam no percurso. Mesmo que ele não tenha percebido, por conta desse comportamento figuras que antes seguiam sua liderança agora preferem o silêncio ou o apoio protocolar e calculado. Afinal, paixão não correspondida transforma amor em conveniência.
Assim como na política, entre os réus do inquérito, a falta de fidelidade parece já repercutir, pois as rachaduras têm surgido. Advogados sinalizam que seus clientes eram apenas “soldados cumprindo ordens”, deixando Bolsonaro na posição desconfortável de capitão abandonado pelo próprio exército. À medida que o processo avançar, essas fissuras podem se transformar em avalanches que comprometerão ainda mais sua defesa pública e jurídica.
Como advertiu Olavo de Carvalho, um dos ideólogos da nova direita brasileira, ao criticar a ingratidão de ex-presidente com os que o ajudaram a subir ao poder: “O Bolsonaro aprendeu isso com Maquiavel e vai terminar como Maquiavel terminou: vivendo da caridade de seus inimigos”. A frase, amarga, soa hoje como profecia.
Em 2018, Bolsonaro era a face de uma onda maior que ele – conservadorismo, antipetismo e esperança por renovação. Agora, quando mais precisaria unir forças, foca em uma lógica familiar e personalista. Uma aposta arriscada para alguém enfraquecido, que precisaria de muitos soldados capazes de o proteger diante do tiroteio. Um ambiente em que a vitimização pode ser insuficiente.
Restou a ele transformar seu próprio julgamento em campanha. Uma campanha que soa datada, marcada por um discurso que já não embala os sonhos de um país ansioso por soluções e por novos horizontes. O movimento que o levou ao poder ainda existe, mas já não é o seu espelho. E talvez nem precise de sua presença. Esse, provavelmente, é o veredito mais difícil de encarar. (Opinião por Sergio Denicoli/O Estado de S. Paulo)