Terça-feira, 29 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 6 de fevereiro de 2023
Após 15 anos, a Associação Americana de Pediatria (AAP) atualizou recomendações para o tratamento de crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade. Embora reforce que a terapia focada em mudança de estilo de vida seja a mais eficaz, pela primeira vez admite a possibilidade de intervenção combinada a medicamentos emagrecedores (a partir dos 8 anos) ou então cirurgia metabólica e bariátrica (em casos de obesidade grave e para pacientes acima de 13 anos).
O documento é divulgado no momento em que a obesidade, doença crônica, é considerada uma “epidemia”, agravada com o isolamento social imposto pela covid. Além disso, diz a associação, os Estados Unidos têm ambiente “cada vez mais obesogênico”, que promove o comportamento sedentário e escolhas alimentares pouco saudáveis.
No Brasil, conforme a Pesquisa Nacional de Saúde 2019, a proporção de pessoas com obesidade na população adulta, entre 2003 e 2019, mais que dobrou, passando de 12,2% para 26,8%. No ano passado, o Ministério da Saúde informou que a obesidade infantil afeta 3,1 milhões de crianças menores de 10 anos no País; e o excesso de peso – 6,4 milhões.
“O Brasil curiosamente saltou da desnutrição para a obesidade. Não tivemos um intermediário”, destaca Durval Damiani, chefe de Endocrinologia Pediátrica do Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Aprovação
Há especialistas que consideram positivas as novas recomendações. Destacam que o plano valida opções já feitas pelos médicos, mas que sofriam resistência, na visão deles, por causa de estigmas. Outro ponto elogiado é o documento reconhecer a obesidade como doença multifatorial, não uma escolha, e sobretudo um desafio não de médicos especialistas, mas de todos os que atendem o público jovem.
“O que chama a atenção é a Sociedade de Pediatria, como um todo, discutindo algo antes visto como assunto de alguns médicos especialistas em obesidade, que eram até meio marginalizados por outros”, observa o endocrinologista Bruno Halpern, presidente da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).
Ele aponta que isso é um passo preventivo importante. “Ninguém desenvolve a obesidade de um dia para o outro. A gente tem batalhado muito para que o pediatra chame a atenção da criança ou do adolescente para a obesidade, mesmo que esta não tenha sido a causa primária da consulta.”
Endocrinologista pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba (PR), Julienne Carvalho frisa que o tratamento de crianças depende muito dos pais e responsáveis: “O pediatra é o médico de confiança da família desde sempre. Ele tem de estar a par dessas informações novas, para que a família se sinta realmente segura em fazer um tratamento que, até então, não imaginava possível”.
Conforme Damiani, remédios e cirurgia são cogitados apenas quando mudar o comportamento, sozinho, não apresenta resultados. Ele conta que sua equipe foi pioneira em cirurgia bariátrica em adolescentes no País. Em 2007, operaram uma paciente de 15 anos:
“A adolescente precisava andar com o apoio dos pais do lado, como se fossem muleta. Não ia à escola. Você não imagina o quanto caíram em cima da gente, dizendo que éramos loucos de operar alguém de 15 anos”.
“Chocou o mundo a indicação de remédio ou cirurgia porque as pessoas têm preconceito com obesidade. Existe ainda a visão antiquada e preconceituosa de que a obesidade é uma escolha e é somente relacionada a maus hábitos de vida”, lamenta Halpern.
No documento, a AAP destaca que a farmacoterapia pode ser prescrita para crianças a partir dos 8 anos em “condições específicas”, após avaliação de risco e benefício, embora frise que não haja amplo escopo de evidências para o uso desses medicamentos em pacientes menores de 12 anos.
De acordo com o Ministério da Saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece assistência integral às pessoas com sobrepeso e obesidade, com atividades preventivas de vigilância alimentar, acompanhamento nutricional. “além de assistência clínica e cirúrgica, como cirurgia bariátrica e reparadora para corrigir excesso de pele”.
Prevenção global
Para Durval Damiani, a prevenção é arma fundamental no combate à “epidemia”. “Onde essa prevenção tem de ser fortemente estimulada? Evidentemente, na família e na chamada família estendida, onde a escola exerce papel fundamental”, defende, acrescentando que: “As pessoas precisam prestar atenção no peso dos filhos. Ir ao pediatra e cobrar: ‘Doutor, como está o meu filho? Está crescendo bem’?”.