Terça-feira, 04 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 5 de janeiro de 2019
É meio-dia em Abadiânia, cidade do interior de Goiás onde está localizada a Casa de Dom Inácio de Loyola, do líder espiritual João Teixeira de Faria, o João de Deus. As ruas estão vazias, e o comerciante Luiz Augusto Paranhos não havia servido, até aquela hora, nem cinco clientes. Com capacidade para atender, de uma só vez, 80 pessoas, seu restaurante funciona num dos pontos mais bem localizados da cidade, a menos de 300 metros do centro espiritual.
O comerciante mudou com sua mulher para Abadiânia há um ano, em busca, segundo ele, de qualidade de vida. Começou trabalhando com deslocamento de turistas estrangeiros entre Abadiânia e o aeroporto de Brasília. Animado com o movimento, resolveu abrir o próprio negócio, há dois meses. Com a casa cheia, Paranhos contratou quatro funcionários.
Um mês após a inauguração do restaurante, surgiram as primeiras denúncias de assédio sexual contra João de Deus, e o negócio degringolou. As vendas caíram 90%, e Paranhos demitiu três pessoas. Outros dois restaurantes e ao menos seis pousadas fecharam as portas na última semana, na mesma avenida.
“Estou desesperado, a ponto de desistir. Hoje estou abrindo o restaurante por resistência, porque sou teimoso. Comprei móveis novos, pintei e reformei o espaço. Mas os clientes sumiram, a cidade está vazia. Estou tentando dar um último suspiro”, desabafou.
Quase um mês após surgirem as primeiras denúncias de abuso sexual contra o médium João de Deus, O Globo voltou a Abadiânia, hoje uma “cidade-fantasma”, na definição dos próprios moradores. Em agudo processo de esvaziamento, ostenta placas de venda em lojas e pousadas fechadas. Não se veem mais turistas e seguidores de João de Deus pelas ruas.
‘Movimento vai voltar’
O fluxo de fiéis caiu de forma abrupta: de uma média de 6 mil visitantes por semana para cerca de mil, segundo os registros da própria Casa de Dom Inácio. O administrador do centro e braço direito do médium, Chico Lobo, admite que a queda no movimento está atrelada à prisão do líder espiritual.
“As pessoas vêm aqui querendo ver João de Deus. Como ele não está, deixam de vir. A cidade toda está sofrendo.”
Os comerciantes relutam em falar com a imprensa. Após a prisão do líder, jornalistas são vistos com desconfiança também pela população, que associa a queda no turismo à repercussão do caso. Dos que aceitam dar entrevista, alguns dizem acreditar na inocência de João de Deus; outros defendem a tese de que, no momento dos abusos, o médium “estava possuído por espíritos”.
Essa é a opinião do vendedor de cristais Fabiano Lobo, de 59 anos. Com a prisão, Lobo diz que Abadiânia “perdeu seu maior líder e ficou desamparada”. Otimista, no entanto, afirma acreditar que o caso, em breve, provocará o que ele chama de “efeito reverso”:
“Todo esse fato negativo ficou muito tempo na mídia, espantou os fiéis. Mas as pessoas começaram a se perguntar ‘que lugar mágico é esse?’. E a movimentação vai voltar.”
Cem mulheres já foram ouvidas pelo MP de Goiás
João Teixeira de Faria está preso preventivamente há três semanas, em Aparecida de Goiás. De acordo com a força-tarefa criada pelo Ministério Público do Estado para investigar o médium, até a tarde de ontem foram ouvidas cem mulheres que dizem ter sido abusadas sexualmente pelo líder espiritual, que nega as acusações.
A defesa entrou com ação na Justiça de Abadiânia solicitando que o líder religioso deixe a cadeia e seja transferido para um hospital particular. A Justiça pediu que o Ministério Público se manifestasse, e o promotor de Abadiânia emitiu um parecer pelo indeferimento do pedido.
No ofício, o MP ainda se manifesta sobre o pedido de prisão domiciliar impetrado pela defesa no Supremo Tribunal Federal, afirmando que tal pedido é “incabível”: “Não existe comprovação de impossibilidade de tratamento do requerente no Complexo Prisional e, ao contrário, existe indicação médica de continuação do tratamento ambulatorial na unidade de origem”.