Depois de um mês na cadeia, o ex-governador do Rio Anthony Garotinho (PR) afirma que não é igual ao ex-aliado Sérgio Cabral (PMDB), que continua preso. Ele atribui a condenação por crime eleitoral a uma vingança por ter acusado o sucessor de corrupção. “As diferenças entre nós são absurdas. Nele você encontra sinais contundentes de riqueza: barras de ouro, joias, mansões, iates. Em mim, não”, diz.
Apesar de rejeitar a comparação, Garotinho repete argumentos usados pelo desafeto em depoimentos à Justiça: diz que foi alvo de delações falsas e reconhece que é amigo de empreiteiros, mas nega ter pedido doações ilegais. Ele também diz ter se inspirado em Nelson Mandela (1918-2013) na cadeia. No início do mês, Cabral se deixou fotografar com uma biografia do líder sul-africano antes de um interrogatório.
O ex-governador recebeu a reportagem de bermuda e chinelos em seu apartamento no Flamengo, Zona Sul do Rio. A sala estava decorada com balões vermelhos e a inscrição “Bem-vindo, Garotinho. Te amamos” em letras de cartolina. Sua mulher, a ex-governadora Rosinha Garotinho, fazia artesanato na varanda. Ela foi presa com o marido e libertada depois de uma semana, com tornozeleira eletrônica.
1) O senhor foi preso três vezes em um ano. Por que acreditar que tudo é uma perseguição?
Os fatos mostram isso. A primeira prisão ocorre logo após minha denúncia na Procuradoria-Geral da República. A segunda é no dia seguinte da audiência de conciliação com o desembargador Luiz Zveiter [ex-presidente do TJ-RJ], onde eu me recuso a me retratar das coisas que havia dito. A terceira logo após eu protocolar e ter um encontro pessoal com a presidente do CNJ [Conselho Nacional de Justiça] para entregar documentos que o comprometeriam. Não tem como não ser isso.
2) Não é uma estratégia de vitimização? O senhor já foi condenado.
A Operação Chequinho faz parte do mesmo enredo de proteção.
3) Nesse caso a sua prisão foi mantida por unanimidade no TRE.
O tribunal aqui é todo vendido. Está todo aqui [na denúncia].
4) Por que um empresário de Campos [André Luiz Rodrigues, delator] faria parte dessa perseguição?
Ele é o cidadão que mais recebe da Prefeitura de Campos, comandada hoje por meu adversário. Ele foi perguntado se tinha alguma prova, disse que não se recordava de quanto tinha me dado. Isso não é delação.
5) Há também denúncia de um “braço armado” para intimidar empresários. O senhor conhece o policial civil aposentado preso?
Claro. Toninho é uma pessoa conhecida em Campos. Ele provavelmente contratou Toninho para sacar algum dinheiro alto dele. Normalmente empresário faz isso.
6) Por que ele faria uma delação premiada assumindo crimes para relatar ameaça?
Ele já estava respondendo por sonegação fiscal. É oferecido a ele a delação para que as investigações cessassem.
7) Há relato também de uma reunião em que o senhor teria pressionado empresários para doar R$ 5 milhões.
Nenhum dos participantes dessa reunião confirma isso, a não ser [o deputado] Geraldo Pudim, que é meu adversário hoje e ligado ao [deputado afastado Jorge] Picciani, e o delator. Vê se é crível, se eu vou fazer um pedido de colaboração numa mesa com um monte de gente. “Gente, eu preciso de R$ 5 milhões”. Dá para acreditar? Houve essa reunião, mas o assunto não era esse.
8) O senhor afirma ter sido agredido na prisão. Por que, na sua avaliação, esse caso não foi concluído?
O retrato falado estava 99% feito, só faltava botar o nariz. Aí dá pane no sistema, e nunca mais voltei lá. Cadê a perícia das câmeras?
O pavimento onde fiquei tem três galerias. A, onde eu fiquei inicialmente. A galeria B, desativada, e a C, onde estão os presos da Lava-Jato. No segundo dia de manhã, me avisam que eu vou para a galeria B. Fui para uma cela com apenas um colchão, na parte de um beliche. De madrugada, sou acordado por uma pessoa que me chamou: “Psiu, psiu”. Levantei e olhei. Ele disse: “Desce daí. Você gosta de falar muito, né?”. Ele deu uma paulada aqui [no joelho] muito forte. Depois apontou uma pistola dizendo: “Você não vai morrer hoje para não sujar para o lado do pessoal ali”, apontando para a galeria do pessoal da Lava Jato. “Mas vou deixar uma lembrancinha para você”. Ele vai e pisa no meu pé.
9) A delegacia e o governo dizem que o senhor se autolesionou.
A Seap [Secretaria de Administração Penitenciária] está caindo em contradição porque instaurou um inquérito há um mês e a primeira pessoa a ser ouvida fui eu, antes de sair. Ela diz isso com base em quê?