Quarta-feira, 11 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 10 de dezembro de 2024
Há um ano, Javier Milei assumia a presidência da Argentina prometendo mudanças radicais na política e na economia do país. O primeiro presidente com uma ideologia anarco-capitalista enfrenta um cenário desafiador e resultados mistos em seu mandato.
“Para mim o pior já passou”, diz esperançoso o trabalhador mineiro Aníbal Franco, 31, sobre a situação econômica da Argentina. Morador de San António de Los Cobres, uma pequena cidade pobre no norte da província de Salta, ele levou a sério o aviso de seu presidente Javier Milei na posse de que “primeiro ia piorar muito antes de melhorar”. Agora, exatamente um ano depois, ele espera que os dias difíceis do forte ajuste fiscal do presidente estejam começando a ficar para trás, mesmo com os índices de pobreza no país superando a marca de 50% da população.
Em 10 de dezembro de 2023, Milei tomou posse prometendo uma política de choque brutal. Em nome do déficit zero, ele pediu à sua população que tivesse resiliência durante os complicados meses que estariam por vir. Os seus números de aprovação após um ano mostram que a população lhe deu o que foi pedido e agora acredita estar vendo os primeiros frutos da aposta total no desconhecido.
“Ele está cumprindo tudo o que prometeu na campanha”, observa Franco. “[A política de ajuste] nos custou muito, a todos os argentinos. Chegamos apertados ao fim dos meses. Subiram os alimentos, as verduras e as frutas. Tudo subiu em certo momento. Mas, com isso, ele pode cumprir muitas coisas”.
O primeiro ano de Javier Milei na Casa Rosada surpreendeu até os analistas mais otimistas. De uma inflação mensal de 25% em janeiro deste ano, a Argentina teve no mês de outubro, último disponível, uma taxa de 2,7%. Muitos economistas não acreditavam que era possível um dígito ainda esse ano, mas ele veio já na metade do período.
“Na prática, para o cidadão comum, o que isso significou foi perceber que nas prateleiras do supermercado ou nas compras diárias, os preços estão muito mais estabilizados e vemos poucos aumentos durante o mês”, explica o economista Juan Manuel Telechea. Não que os preços tenham abaixado, mas ao menos pararam de subir exponencialmente.
“Não é que a Argentina entrou no regime de baixa inflação dos países vizinhos, como Brasil, Peru, Uruguai, Colômbia, que são países que mantêm uma inflação anual de um dígito. Ainda falta muito para isso”, observa o economista da UBA (Universidade de Buenos Aires) Fabio Rodríguez.
Outro feito que Milei celebra é praticamente um ano inteiro de superávit fiscal, algo que não acontecia no país há mais de uma década. Eliminar o déficit, ajustar a política monetária do Banco Central e controlar o câmbio foram as medidas que viabilizaram a queda da inflação, explica Rodríguez.
Outra forma de controle foi conter o consumo, um remédio mais amargo. Com a inflação galopante do início do ano e com salários congelados, os argentinos pararam de consumir – com momentos em que era preciso escolher entre alimento e remédio – e isso fez com que a circulação da moeda diminuísse.
Essa já não é a realidade agora. Os alimentos foram os primeiros a ver uma redução da inflação, desafogando o aperto das famílias. Mas os serviços ainda seguem altos e os salários estão longe de recuperar seu poder aquisitivo.
“Com a queda da inflação e a recuperação das rendas, o poder de compra se recuperou. De qualquer forma, deve-se esclarecer que, ainda hoje, as rendas continuam abaixo dos níveis do ano passado”, aponta Telechea.
Também é provável esperar um Milei com apostas mais ideológicas, segundo os sinais enviados por ele mesmo nas últimas semanas. No episódio mais dramático, o presidente promoveu um expurgo de toda equipe do Ministério de Relações Exteriores, inclusive a então chanceler Diana Mondino, colocando no lugar pessoas mais próximas de sua linha de pensamento. As demissões ocorreram depois de uma votação da Argentina na ONU a favor de Cuba.
Em outro momento, na cúpula do G-20 no Brasil, o libertário se tornou a voz antagônica ao acordo final por incluir termos que não concordava, como igualdade de gênero e taxação de super-ricos. No fim, teve de ceder aos demais países e assinou o documento final.
“Milei se apoia muito no extremo e na radicalização discursiva e no ataque constante a outras opções políticas e no questionamento de toda a agenda progressista a nível mundial. Por que faz isso? Porque faz parte da construção do sujeito político e porque não lhe trouxe impacto maior nas pesquisas [de opinião pública]”, sugere Facundo Cruz.
Essa escalada foi energizada pela vitória de Trump, com quem Milei tem uma relação amistosa correspondida quase no mesmo nível. “Claramente, Milei é dos presidentes latino-americanos o que Trump tem a melhor química. Isso não vai criar mágica, mas ajuda. Acredito que Milei tem uma bela lua de mel pela frente, pelo menos por dois anos na América Latina”, afirma Calle. (Estadão Conteúdo)