A partir desta segunda-feira, boa parte das atenções da opinião pública estarão voltadas para Três Passos, uma pequena cidade de 24 mil habitantes no Norte gaúcho, a 473 quilômetros de Porto Alegre e palco do julgamento de um dos casos mais chocantes da recente história criminal do País: o assassinato do menino Bernardo Boldrini, há quase cinco anos.
De acordo com o TJ (Tribunal de Justiça) do Rio Grande do Sul, a sessão tem início marcado para as 9h30min e deve durar até a sexta-feira. Sentarão no banco dos réus quatro acusados, todos já presos ligados à vítima, direta ou indiretamente.
São eles: o pai Leandro Boldrini, a madrasta Graciele Ugulini, a amiga dela Edelvânia Wirganovicz e seu irmão Evandro Wirganovicz. Eles respondem por homicídio qualificado, ocultação de cadáver e falsidade ideológica.
Os trabalhos serão presididos pela juíza Sucilene Engler, titular da Comarca local. Já na acusação atuará o promotor Bruno Bonamente, enquanto a defesa tem como advogados Ezequiel Vetoretti (Leandro), Vanderlei Pompeo de Mattos (Graciele), Jean de Menezes Severo (Edelvânia) e Hélio Francisco Sauer (Evandro).
Estão previstos os depoimentos de 18 testemunhas, cinco delas arroladas pela acusação, nove pela defesa do pai de Bernardo e outras quatro pela defesa da madrasta do garoto. Após as oitivas, os réus serão interrogados, um por um.
O Conselho de Sentença é formado por sete jurados, que nesta segunda-feira serão definidos por sorteio, de um grupo de 25, mais suplentes, todos moradores da comarca, que abrange Três Passos, Tiradentes do Sul, Bom Progresso e Esperança do Sul.
Os escolhidos permanecerão incomunicáveis em um hotel – os estabelecimentos de hospedagem da região, aliás, já estão lotados, principalmente por jornalistas e estudantes de direito que pretendem acompanhar de perto a sessão.
Eles serão submetidos a perguntas relacionadas a questões específicas (como grau de envolvimento, culpa e intenção dos acusados no crime), que devem ser respondidas de forma simples, com “Sim” ou “Não”. A maioria simples de votos definirá a absolvição ou condenação de cada réu. Em caso de condenação (hipótese mais provável), caberá à Justiça determinar as respectivas sentenças.
O Salão do Júri passou, recentemente, por obras destinadas a adequar o recinto a um público maior. Ao menos 20 cadeiras adicionais foram instaladas, ampliando a capacidade da plateia para 70 pessoas. Também houve acréscimo de espaço para os advogados de defesa.
O crime
Bernardo Uglione Boldrini tinha 11 anos quando recebeu uma overdose de sedativos, no dia 4 abril de 2014, em Três Passos, onde vivia com o pai e a madrasta na área central da cidade. A família comunicou o desaparecimento e o corpo do estudante foi encontrado dez dias depois, em uma cova à beira de um riacho no município de Frederico Westphalen.
Leandro Boldrini, pai de Bernardo, é considerado pela Polícia Civil e Ministério Público como o mentor do crime. Ele teria recebido ajuda da mulher, da amiga dela (mediante pagamento) e do irmão desta última.
Omissão
Órfão de mãe e vivendo com o pai e a madrasta, Bernardo se dizia carente de atenção. Ele chegou a procurar a Justiça para reclamar do tratamento que recebia do casal e pedir para morar com outra família.
No início de 2014, após o Ministério Público instaurar uma investigação contra o homem por negligência afetiva, abandono e agressão (esta última não constatada), a Vara da Infância e Juventude de Três Passos autorizou que o garoto continuasse morando com o pai.
A avó materna, que morava em Santa Maria, chegou a se oferecer para assumir a guarda, em vão: o médico conseguiu uma “segunda chance”, com a promessa de que tentaria reatar os laços familiares com o filho.
Demora
Uma série de fatores causaram a demora para o início do julgamento. O principal deles foi a reabertura do processo que investigou a morte de Odilaine Uglione, mãe de Bernardo, em 2010. Na época, o laudo oficial concluiu que a mulher se suicidou com um tiro na cabeça, aos 30 anos, no consultório do ex-marido. Surgiu então a hipótese de que ela pudesse te sido assassinada, mas uma nova perícia descartou esse possibilidade.
Manifestações
A exemplo do que já ocorreu em outras oportunidades, o portão da casa onde o menino vivia recebeu diversos cartazes e banners com mensagens clamando por justiça. Em avenidas e principais pontos de acesso, anúncios pagos em outdoors também pedem que o crime não fique impune. Se fosse vivo, Bernardo teria hoje 16 anos.
Marcello Campos