Apenas em 2018, 484 processos para reparação de danos morais e materiais por erros médicos foram impetrados no Estado do Rio de Janeiro. Em janeiro, por exemplo, as cirurgias plásticas foram a quarta principal queixa nas 74 ações de indenização que deram entrada na Justiça, ficando atrás apenas de partos, procedimentos ortopédicos e odontológicos.
Levantamento feito por repórteres do jornal O Globo no Tribunal de Justiça do Estado, com base em processos cíveis de Segunda Instância, julgados nos últimos dez anos, mostra que este tipo de caso tornou-se comum. A cada 22 decisões de ações de indenização por erro médico, uma se refere a cirurgia plástica.
De 3.244 acórdãos, 145 tratavam de procedimentos estéticos. Desses, 75 sentenças (51,72%) foram condenações para pagamento de indenizações a pacientes ou a seus familiares; 21 isentaram médicos e clínicas de responsabilidade; seis anularam decisões de primeira instância e duas decretaram a prescrição dos casos. Outras 41 decisões trataram de medidas diversas, como necessidade de realizar perícias.
Morte
“Por que minha mãe foi fazer isso? Podia estar aqui com a gente”, comentou outro dia a pequena Júlia, de 6 anos, com a avó materna. Nas palavras da menina, a advogada Juliana Alves Barbosa virou “uma estrelinha no céu”. Ex-mulher do cantor Ferrugem, Juliana morreu em 2015, aos 27 anos, após fazer uma cirurgia estética múltipla, numa clínica em Icaraí, Niterói. Além de ter aplicado polimetilmetacrilato (PMMA) nos glúteos, ela pagou R$ 30 mil para realizar também uma abdominoplastia e mamoplastia com implante de silicone. Pouco mais de 24 horas depois dos procedimentos, ela morreu de embolia pulmonar, problema que pode ter levado a óbito, há duas semanas, a bancária Lilian Calixto, paciente do médico Denis Furtado, conhecido como Doutor Bumbum, que está preso.
O inquérito policial concluiu que, no caso de Juliana, houve homicídio culposo (sem intenção de matar), e, no ano passado, o Ministério Público denunciou o médico que a atendeu à Justiça. A família também ingressou recentemente com ação cível contra o cirurgião, a clínica e o dono do estabelecimento. Os nomes dos acusados foram preservados porque os processos ainda estão em andamento.
Ressarcimento
Os autores de ações buscam ressarcimento para sequelas físicas e psicológicas. É o caso de uma comerciante estrangeira, que vive no Rio há 30 anos e pede para não ser identificada. Ela tentou corrigir os seios flácidos e, em 2011, procurou um consultório em Ipanema. A primeira cirurgia não deu certo – um seio ficou mais alto do que o outro. De lá para cá, ela já passou por mais três intervenções com a mesma médica, em clínicas de Ipanema, Barra e Rio Comprido. Nas tentativas de reparar os erros da primeira intervenção, o resultado foi ficando cada vez pior. Hoje, a estrangeira está com a área repleta de cicatrizes e queimaduras. Com vergonha, não usa mais decote nem namora.
“No ano passado, fui operada de novo. A médica me cortou de ponta a ponta. São muitas cicatrizes e queimaduras, porque ela usou esparadrapo, apesar de saber que sou alérgica. Hoje, não uso decote nem namoro. Tenho vergonha do meu corpo”, diz a mulher, de 48 anos, que, este ano, resolveu processar a cirurgiã, com pós-graduação em estética, mas sem residência em cirurgia plástica.
Para o desembargador César Cury, presidente do Núcleo de Mediação do Tribunal de Justiça, é preciso, antes de uma cirurgia, se informar nos conselhos de medicina e checar se o médico responde a processos: “Alguns indicadores não são confiáveis. Um dos mais usados é o número de seguidores que o profissional tem em redes sociais. Ninguém vai para a internet para expor seus fracassos”, diz Cury.