Quarta-feira, 30 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 5 de abril de 2023
O ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou a suspensão, por 60 dias, da implementação da reforma do ensino médio, introduzida por meio de uma medida provisória do governo de Michel Temer (MDB) em 2017 e instituída por lei em 2018.
No ano passado, o novo projeto foi introduzido apenas para estudantes do 1º ano do ensino médio. Neste ano estava em curso a adoção pelo 2º ano e, em 2024, a reforma chegaria ao 3º ano e ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Entre as principais mudanças propostas pelo Novo Ensino Médio (NEM) estão:
Atualmente está sendo realizada uma consulta pública sobre o Novo Ensino Médio — iniciada em 9 de março e com duração de 90 dias. Depois haverá um mês para elaboração do relatório com as manifestações e sugestões.
Divisão
Mesmo antes de ser eleito, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já era pressionado por sua base para derrubar a reforma.
Em junho do ano passado, uma carta aberta assinada por mais de 50 entidades — como sindicatos de professores e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) — pediu a revogação da medida.
Segundo o documento, ela foi implementada pelo governo de Michel Temer e “ganhou continuidade natural no governo de extrema-direita e de viés conservador de Jair Bolsonaro”.
Confira, a seguir, pontos da reforma que vêm sendo alvo de discussões:
Uma das principais marcas da reforma é a divisão da carga horária em 60% para a formação geral básica, pela qual todos os alunos passam, e com os outros 40% voltados para os chamados itinerários formativos, projetados para dar mais flexibilidade ao currículo e para aproximar o estudante de seus interesses.
Antes da reforma, a carga horária era de 800 horas de aula para cada ano do ensino médio — totalizando 2.400 horas para o segmento.
Com as mudanças, ampliou-se esse valor para no mínimo 3.000 horas. E há um teto para a formação geral básica: ela não pode passar de 1.800 horas.
Para Olavo Nogueira, diretor-executivo da organização Todos Pela Educação, esse teto deve ser alterado pois é “muito baixo” — em uma escola de tempo integral, por exemplo, o tempo dedicado às disciplinas obrigatórias acaba bastante diluído.
Nogueira também critica a possibilidade de que até 20% da carga horária do ensino médio — e até 30% do ensino médio noturno — seja realizada via ensino a distância. Para ele, esta regra é “um risco para a precarização”.
Já Fernando Cássio, integrante do comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, defende a revogação total da reforma para “pensar um modelo que seja minimamente democrático, que não seja excludente”.
Ele critica particularmente os itinerários ao citar um estudo da Rede Escola Pública e Universidade (Repu), da qual faz parte, relacionando o leque reduzido de disciplinas eletivas na rede pública à falta de condições materiais (salas de aula disponíveis, equipes docentes).
O estudo da Repu mostrou que, nas escolas estaduais de São Paulo em que a reforma do ensino médio já foi implementada, 22,1% das aulas dos itinerários do 1º semestre ainda não haviam sido atribuídas a nenhum professor.
Na prática, segundo o documento, “é como se os estudantes tivessem um dia letivo a menos por semana por falta de professores”.
Outra crítica está em disciplinas eletivas como “Brigadeiro Gourmet”, “Mundo Pet” e “Torne-se Um Milionário” que foram introduzidas nesses itinerários.
Débora Goulart, professora do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo, critica o que considera falta de “pensamento crítico” em algumas dessas novas disciplinas.
“Nas chamadas competências emocionais desse novo currículo há disciplinas como ‘Projeto de Vida’. E o que é isso? É discutir como sobreviver com autogestão, resiliência, autocontrole e perseverança nesse novo mundo do trabalho, precarizado e uberizado. Mas não existe uma discussão crítica sobre essas novas formas de trabalho, e sim uma aceitação delas.”
Nogueira, da Todos Pela Educação, defende que é preciso definir melhor os itinerários formativos, “hoje muito amplos”. Mas, para ele, a crítica não deve significar o abandono da proposta de flexibilidade para os estudantes do ensino médio — marcado por altos índices de evasão escolar.
Para Fernando Cássio, a reforma deve ser revogada porque sua essência é equivocada.
“Não vejo que essa reforma possa produzir outra coisa que não o aprofundamento de desigualdades. E ela não é ‘reformável’ ou ‘ajustável’. Porque do ponto conceitual ela foi feita para baratear a educação pública dos mais pobres”, afirma.
“Basta lembrar que 88% dos estudantes do País no ensino médio estão na escola pública.”
Goulart concorda: “O desenho dessa política [da reforma] é uma alteração do ponto de vista curricular. Mas não altera o financiamento, não altera a formação de professores, não altera a estrutura física, não altera o investimento”.