Quarta-feira, 08 de janeiro de 2025
Por Edson Bündchen | 29 de fevereiro de 2024
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
As palavras são as espadas com as quais a diplomacia opera. São também as palavras que esculpem esse acordo, sempre frágil e carente de defesa, que é o Estado Democrático de Direito, uma construção humana, portanto. E são essas mesmas palavras, de acordo com o sociólogo Artur Roman, aquelas que podem ser bem ditas, mal ditas ou não ditas. Há os que passam uma vida buscando domar as palavras, testando seus verdadeiros sentidos, seus nexos, clareza, forma, harmonia e concisão. Existem também aqueles que preferem o silêncio, por opção cautelosa, imposição ou ausência do que dizer. Mas proliferam, e essa tem sido uma dolorosa constatação, aqueles que usam as palavras quando não as deveriam usar, maltratam o próprio vernáculo com naturalidade e, pior, apontam o sentido daquilo que se diz para mentir, profanar, iludir ou enganar. A esses, especial cuidado deve-se ter, particularmente em tempos como os atuais, nos quais os fundamentos democráticos sofrem ataques indiscriminados. A fala rasa e descuidada, quando não falsa, ganha mais audiência que o fato em si. Proliferam, e isso é uma triste realidade, incentivos e prêmios à incoerência dos discursos mal ditos e malditos.
Como pano de fundo desse atual estágio de transformação da comunicação, observa-se uma sociedade atônita com a impermanência e a transitoriedade das coisas e dos costumes, sujeita ao poder das narrativas, à extrema polifonia das redes sociais e das mudanças tecnológicas que avançam para muito além da capacidade de compreensão e apreensão de novos modos e conceitos. Nesse ambiente nervoso e cambiante, as palavras continuam esculpindo o presente e o futuro, quando não reescrevendo o passado. Não sem justo alarme, falas descuidadas abrem gigantescas fendas diplomáticas, outras promovem a segregação de um permanente “nós contra eles”, várias são panfletárias e descoladas da realidade e outras tantas promovem a mentira e a intolerância sem qualquer pudor.
Entretanto, apesar dessa fragmentação raivosa e visível empobrecimento no uso das palavras, não é possível imaginar uma saudável convivência social sem que alguns princípios comunicacionais elementares sejam guarnecidos. O primeiro imperativo para tanto é o reconhecimento do outro. Nesse momento difícil da vida nacional, quando poucos tem ouvidos e muitas bocas agridem o bom senso, é necessário recuperar e valorizar a escuta reflexiva, a sensibilidade para buscar compreender aquilo que subjaz aos comportamentos notados, aos silêncios eloquentes e às vozes sem voz. Não é cabível, numa sociedade plural e democrática, qualquer constrangimento retórico ou legal às opiniões livres e responsáveis, à expressão de gostos ou preferências, ao legítimo direito ao exercício da plena cidadania. Entretanto, isso não deve jamais ser tomado por um “vale tudo” verbal, no qual os fatos são permutados pela fantasia e a falsidade tomada por convicção. Há, nos dias de hoje, uma perniciosa tendência a sugestão de narrativas como sendo capazes de suplantar a realidade, e não há nada mais corrosivo para a democracia do que a substituição do fato pela versão, da verdade pela mentira, do comedimento pelo arroubo retórico, infelizmente tão ao gosto daqueles que usam tal estratagema sem nenhum constrangimento.
Discursos bem ditos, oportunos e consequentes são indissociáveis de um processo de amadurecimento político/institucional. O Brasil carece de uma linha coerente que permeie todo o espectro discursivo em relação ao seu futuro, que avance para nossas perspectivas, que abra novos horizontes, mas com uma linguagem adequada a inéditos tempos, mais sintonizada com uma agenda inclusiva, dialógica e moderna. Uma forma de comunicação que abandone o vazio dos ataques pessoais, que transcenda aos gestos chulos e abrace e inclua as novas gerações, certamente exaustas diante de tanto pugilismo verbal. Mesmo hoje, enferrujadas pelo abandono e mau uso, as palavras, oportunas e bem-postas, são as espadas que podem e devem proteger e fortalecer o atual sistema democrático em que vivemos.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.