Domingo, 17 de novembro de 2024
Por Edson Bündchen | 4 de abril de 2024
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Perguntas inquietantes definem o nosso tempo, embora essa angústia não seja de hoje. Peter Drucker, além de um escritor prolífico na área de administração, era um atento observador da realidade de sua época. Quando ainda jovem, a Alemanha experimentava os terríveis anos que precederam a tragédia nazista e algumas de suas opiniões desagradaram o governo alemão.
Em 1933, teve que se mudar para a Inglaterra, posteriormente fixando residência nos EUA, país no qual desenvolveu suas principiais obras. Testemunha do caos que acometia a economia alemã na década de 30 do século passado, Drucker concluiu que “quando a economia entra em crise e o desemprego explode, a vida não é mais regida pela razão, mas por forças cegas e irracionais”.
A Segunda Grande Guerra, nessa perspectiva, plasmou o vaticínio que Peter Drucker fizera alguns anos antes, remodelando o mundo e marcando a história humana de modo indelével, seja pelo morticínio descomunal que produziu, seja pelo horror do Holocausto e do ingresso do mundo na era nuclear e da Guerra Fria.
Naquele contexto, a luta de classes ainda era um fator ideologicamente definidor para a esquerda mundial, assim como contraponto importante à ideologia liberal, elemento aquele que viria a ruir junto com a queda do Muro de Berlim, mais de 40 anos depois. Contudo, novos ventos de mudanças inéditas no mundo do trabalho, particularmente os derivados da revolução tecnológica, fragmentaram os sindicatos e submeteram as forças progressistas a uma significativa reconfiguração, agora abraçando temas também de caráter universalizante, porém abrangendo uma pauta mais diversa, o que iria suscitar a crise de identidade ora em curso e que pode estar na raiz do ressurgimento da ultradireita em vários países.
Esse soerguimento da extrema direita, naturalmente, suscita justificados temores no mundo democrático. Entretanto, não é mais a economia o principal motor da radicalização, como fora no período entreguerras, dado que em quase que todos os indicadores, pode-se constatar que houve notável evolução nos últimos 80 anos.
De fato, o que emerge como bandeira para os candidatos a tiranos no presente momento é uma mistura de métodos fascistas revisitados, com o acréscimo de novos elementos, alguns inauditos, como a mistificação de certas lideranças, o uso massivo da mentira como arma política via redes sociais, a aversão a imigrantes, o negacionismo climático e científico, além de um nacionalismo sectário e uma confusão extemporânea entre Estado e religião, mesmo após a consagração do secularismo no mundo moderno.
Do mesmo modo que Drucker estava angustiado e até certo ponto premonitório em relação ao futuro, contemporaneamente o escritor Jason Stanley também vê sombras igualmente aterradoras em nosso horizonte.
A pergunta principal é como manter um senso comum de humanidade, se o medo e a insegurança nos levarão a fugir para os reconfortantes braços da superioridade mítica ou outras promessas rasas como aquelas que prometem a reedição de um passado idílico, numa busca vã por maior senso de dignidade?
Na mira direta da ultradireita, refugiados, feminismo, sindicatos trabalhistas, minorias raciais, religiosas e sexuais encontram dificuldades para uma indispensável proteção institucional. São evidentes os métodos usados para nos dividir e segregar.
Assim, prossegue Stanley, não devemos nos esquecer nunca de que a política fascista visa, sobretudo, seu público-alvo, aqueles a quem busca enredar em seu domínio ilusório, inscrever num estado em que todos os considerados “dignos” de status humano são cada vez mais subjugados pela ilusão em massa.
Aqueles que não estão incluídos nesse público-alvo e status esperam nos campos do mundo, títeres, homens e mulheres, prontos para serem escalados para os papéis de estupradores, assassinos, terroristas.
Recusando-nos a ser enfeitiçados pelos mitos fascistas, permanecemos livres para mobilizar uns aos outros, todos nós falhos, todos nós parciais em nosso pensamento, experiência e compreensão, mas nenhum de nós demônio.
Edson Bündchen
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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