As mudanças climáticas dobraram a probabilidade de o Rio Grande do Sul ser atingido por um evento climático tão extremo como as chuvas que castigaram o Estado nos últimos 40 dias. O aquecimento do planeta também tornou essas precipitações até 9% mais intensas.
A conclusão é de um estudo divulgado ontem pelo World Weather Attribution (WWA), grupo internacional de cientistas que analisa a relação entre eventos extremos específicos e as mudanças do clima. De acordo com os pesquisadores, o El Niño desempenhou papel semelhante, intensificando as chuvas, enquanto falhas na infraestrutura das cidades agravaram ainda mais a dimensão da tragédia.
Balanço
Em menos de 30 dias, as enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul afetaram mais de 90% do Estado, causando 172 mortes e desalojando mais de meio milhão de pessoas.
Para avaliar a influência da mudança climática sobre os riscos de chuva, e sobre sua intensidade, os cientistas analisaram dados meteorológicos e simulações computadorizadas para comparar o clima como ele é hoje (cerca de 1,2°C mais quente do que na era pré-industrial) com o clima do passado, seguindo métodos revisados por pares. O estudo considerou os níveis de precipitação durante duas janelas de tempo, quando as maiores quantidades de chuva caíram: uma janela de 4 dias (29 de abril a 2 de maio) e outra de 10 dias (26 de abril a 6 de maio).
Após as análises, os pesquisadores identificaram que o que ocorreu pode ser considerado um evento extremamente raro, esperado para ocorrer apenas uma vez a cada 100-250 anos, mesmo no clima atual. No entanto, sem o efeito da queima de combustíveis fósseis – principal responsável pela crise climática –, o evento seria mais raro ainda. Concluíram também que o aquecimento global aumentou em duas vezes a probabilidade de as chuvas extremas ocorrerem, e que elas foram de 6% a 9% mais intensas por causa da emissão antropogênica de gases de efeito estufa.
As conclusões do estudo se aproximam de outras pesquisas que vêm sendo realizadas nos últimos anos nas Regiões Sul e Sudeste do Brasil. Em artigo publicado na revista International Journal of Climatology, em 2017, pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) já haviam demonstrado uma mudança na intensidade e frequência de chuvas extremas no Sul do País. Outra análise mais recente foi publicada em maio pelo ClimaMeter, grupo de cientistas de diferentes países liderado por pesquisadores do centro especializado em ciências climáticas da Universidade Paris-Saclay, financiado pela União Europeia e pela Agência Francesa de Investigação.
Esse trabalho indicou que eventos extremos de precipitação como os que atingiram o Rio Grande do Sul estão até 15% mais intensos na região no período de 2001-2023, quando o efeito das mudanças climáticas se tornou mais evidente, em comparação com o período entre 1979-2000.
Estrutura e futuro
A análise do World Weather Attribution também concluiu que grande parte dos danos foi causada pela falha de infraestrutura da região, que não conseguiu conter a precipitação acumulada. O desmatamento e a rápida urbanização de cidades também contribuíram.
A pesquisa projetou ainda possíveis cenários futuros, caso as emissões de gases estufa não sejam rapidamente reduzidas. Se o mundo seguir o atual padrão de emissões e as temperaturas globais aumentarem 2ºC em comparação aos tempos pré-industriais, o que deve ocorrer entre 20 e 30 anos, eventos de chuva semelhantes serão duas vezes mais prováveis do que são hoje. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.