O deputado federal Jair Bolsonaro está com algo em torno de 20% nas pesquisas eleitorais, e no entanto passou os últimos três meses atrás de um partido para abrigar sua candidatura. Entre outros, conversou com PEN, Avante, PSC e fez um pouso acidentado no PSL, provocando a debandada de uma turma liberal que pretendia fazer do partido sua via de ingresso na política.
Em outras épocas, a esta altura haveria uma fila de partidos disputando a primazia de filiar ou se aliar a Bolsonaro. A mudança tem uma explicação: as novas regras eleitorais, especialmente o fim da doação de empresas privadas às campanhas, mudaram a lógica da eleição em relação às disputas presidenciais anteriores. Por isso os partidos esnobam Bolsonaro, a campanha ainda não decolou e fica cada vez mais claro que grandes coligações partidárias devem fazer diferença na eleição de 2018 talvez maior que de outras vezes
A esta altura, segundo a lógica das eleições até 2014, um candidato como Bolsonaro estaria empenhado – ou já teria nomeado um arrecadador – na coleta de recursos financeiros para a campanha, conversando com empresas com múltiplos interesses no Estado, desde a isenção de impostos à preferência por obras públicas – é só ler as delações premiadas da Operação Lava-Jato para se ter ideia do arco de interesse que envolvia uma negociação para financiamento de campanha majoritária.
Com o baú cheio, candidatos a um cargo majoritário como presidente da República ou governador de Estado têm as rédeas da campanha. O assédio é natural. Na primeira campanha, em 2010, Dilma Rousseff reuniu em torno do PT mais de uma dezena de legendas ideologicamente incompatíveis, do PP ao PCdoB, para citar apenas dois exemplos. Na eleição de 2014, vencida por Dilma por uma estreita margem de votos, a coligação da presidente contava exatamente dez partidos de matiz variado.
As novas regras eleitorais também aumentaram consideravelmente o poder dos presidentes de partido, a quem cabe a distribuição do dinheiro. Não foi por outro motivo que o governador Geraldo Alckmin fez questão de assumir ele mesmo a presidência do PSDB e indicar um aliado de copa e cozinha, o deputado Sílvio Torres, para tesoureiro. Não importa quem seja o primeiro-vice presidente. Alckmin é o dono do cofre e está resolvido.
É o mesmo fenômeno que leva o presidente Michel Temer a insistir no nome da deputada Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho – ela é filha do ex-deputado Roberto Jefferson, o dono do cofre do PTB e dos votos que podem fazer falta à reforma da Previdência, cuja proposta o governo quer votar em fevereiro, na volta do recesso legislativo.
Na campanha de 2014, a candidata Dilma Rousseff declarou gastos de cerca de R$ 350 milhões e Aécio Neves (PSDB), aproximadamente R$ 290 milhões. Pelas novas regras de financiamento, fora o que arrecadar de pessoas físicas, o PSDB deve receber alguma coisa em torno de R$ 150 milhões. Na partilha, a candidatura majoritária ficará com cerca de R$ 100 milhões; os outros R$ 50 milhões serão disputados a tapas pelos candidatos proporcionais.
A nova lógica eleitoral exige também uma campanha mais curta. Com as doações privadas era possível gastar com mais candidatos durante mais tempo. Com menos dinheiro, para os partidos, é melhor concentrar em quem realmente tem chance. Explica também por que os congressistas reduziram a campanha a 45 dias. O dinheiro, mais curto, será o despejado na reta final. Esse também é um dos motivos de a campanha eleitoral não ter decolado, até agora.
Chama a atenção a posição do PT, desde sempre um defensor do financiamento público de campanha. O feitiço virou contra o feiticeiro, pois nem o PCdoB, um aliado carnal, quer se coligar com o partido nas eleições presidenciais de outubro. Fora do poder e sem os recursos do petrolão que abarrotaram de dinheiro suas campanhas, o PT perdeu muito do charme que fascinava certas legendas médias que desde Lula (com mensalão) asseguravam maiorias no Congresso.
A nova lógica eleitoral, pelo que se viu até agora, fortaleceu muito os comandos partidários, deve em princípio beneficiar quem tem fortuna pessoal para se autofinanciar (o que depende ainda de uma regulamentação do Tribunal Superior Eleitoral) e favorece candidatos que têm capacidade de arrecadar de pessoas físicas e mobilizar campanhas de crowdfunding. E beneficiar também quem tiver o apoio da máquina governamental.