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As paixões, os interesses e o futuro climático

Pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha revelou que 8% dos brasileiros acreditam que terra não é redonda, rejeitando todas as evidências em contrário. O porcentual da pesquisa causa mais espanto ainda quando imaginamos que os quase 20 milhões de pessoas que creem que a terra é plana são cidadãos aptos a votar hoje ou amanhã. Na mesma linha de negacionismo científico, embora de uma forma menos constrangedora, mas brutalmente mais insidiosa, se encontram aqueles que também abdicam da racionalidade para negar as mudanças no clima ocorridas no planeta. Refutam, sem constrangimento, aquilo que a cada dia se torna mais explícito. Por outro lado, não deixa de ser uma boa notícia saber que mais de 90% dos brasileiros, segundo pesquisas recentes, enxergam na ação humana as causas para os atuais problemas climáticos, como a atual tragédia das enchentes que tão impiedosamente assola o Rio Grande do Sul.

A combinação da simples estupidez de quem insiste em dizer que a terra é plana com a sordidez daqueles que negam as alterações climáticas, embora neste último grupo também a ignorância opere com desenvoltura, deve ser superada por vozes que confrontem a noção politicamente perigosa e inconsequente de viver como se não houvesse amanhã. Essa retórica criminosa, que se instaurou diante da destruição ambiental, deve ser confrontada já a partir da identificação e caracterização discursiva dos atuais detratores, cujos propósitos se valem de artifícios de linguagem para a sua dissimulação que precisa ser desmascarada. Inacreditavelmente, ratificando a urgência do assunto, em plena operação de resgate de mortos e feridos no Rio Grande do Sul, a máquina de dissimulação e mentiras dos bandidos digitais operava a todo vapor.

Nesse ambiente até certo ponto caótico, típico de tragédias de grande repercussão, emergem também desafios inéditos. Nesse sentido, diante das monumentais dificuldades que o Estado gaúcho terá pela frente, talvez nenhuma seja maior do que coordenar os interesses políticos aos esforços que devam ser empreendidos. Será preciso colocar a agenda de reconstrução em sintonia com ações preventivas para tragédias semelhantes que virão. Não bastará reconstruir, portanto, será preciso simultaneamente prevenir ou mitigar eventos futuros e essa não é exatamente uma característica que nos notabilize, senão muito pelo contrário. Desgraçadamente, cultivamos o gosto pelo improviso e contamos com a sorte, quando deveríamos cultivar com mais zelo a prudência. Contudo, não existe mais a opção de fechar os olhos para o inevitável. A noção até certo ponto cruel do “adapte-se ou morra”, tão comum ao mundo corporativo, bate à porta agora também para governos de várias partes do mundo.

Será preciso, antes de tudo, que as lideranças políticas e civis compreendam a gravidade do momento que vivemos e a impostergável criação de um paradigma mais ajustado aos novos tempos. Assim, a par da tragédia, emerge uma singular oportunidade para que bases mais sustentáveis de desenvolvimento se estabeleçam, nas quais exista maior sintonia entre discurso, prática e equilíbrio real entre as dimensões econômica, social e ambiental. É sabido que os desastres criam uma espécie de “janela de atenção” sobre os governantes, atenção esta que em épocas de normalidade não é observada. Há, nessa perspectiva, a constatação de que existe comportamento racional dos eleitores que, mesmo com uma régua mais severa, premiam comportamentos que lhes pareçam mais legítimos, alinhados com aquilo que se espera dos gestores públicos em tempos de crise. Embora estudos indiquem que o eleitorado reconheça mais as ações pós desastres, valorizando menos as medidas mitigadoras de risco, esse perverso desincentivo à prevenção precisa ser superado, até porque as mudanças climáticas sugerem que essa não é mais exatamente uma opção de quem governa, mas um imperativo também moral que se impõe. Poucas vezes estivemos tão dependentes da lucidez, responsabilidade e espírito público de nossas lideranças como agora.

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