Terça-feira, 11 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 23 de agosto de 2020
Um novo foco de calor foi encontrado essa semana nas proximidades do maior refúgio de araras-azuis do mundo, na fazenda São Francisco do Perigara, no Pantanal mato-grossense. O incêndio ocorreu após uma aparente trégua do fogo, que arde na região desde 1º de agosto e ameaça a sobrevivência da espécie. As chamas destruíram praticamente toda a vegetação nativa da propriedade, que serve de habitat e fornece alimentos para as aves.
A maior preocupação das autoridades ambientais e de entidades de pesquisa e proteção, neste momento, é preservar a área usada por araras-azuis e outros papagaios para dormir. O dormitório é uma concentração de palmeiras localizada na sede da propriedade rural, onde centenas de aves se reúnem nos fins de tarde para pernoitar. O espaço foi cercado e protegido há mais de 60 anos pela família proprietária da fazenda.
“Na segunda-feira (17), foi mais calmo mas no fim do dia recebemos a informação de que um novo foco de incêndio foi encontrado em uma mata que já havia sido queimada antes. No Pantanal, às vezes um tronco pega fogo por dias e as chamas podem voltar. O dormitório está protegido, mas temos que manter a vigilância pois o fogo não para enquanto não tiver uma chuva forte”, disse a bióloga Neiva Guedes, presidente do Instituto Arara Azul.
De acordo com o Corpo de Bombeiros, nesta terça-feira (18) ainda existiam focos de calor na fazenda São Francisco do Perigara e no entorno dela também. Os dados foram obtidos por meio de imagens do satélite NPP, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Alimentos
Fortemente atingida, a área próxima ao dormitório concentra cerca de 15% das araras do Pantanal. A morte da vegetação no local compromete a alimentação das aves. Elas costumam passar o dia a seguir o gado criado de forma extensiva na fazenda. Os bovinos comem os frutos das palmeiras acuri e bocaiúva e descartam a castanha, que servem de alimento para as araras.
As aves já sofriam com a falta de alimentos antes mesmo do início das queimadas. Com poucas chuvas, faltava água e os animais estavam magros. Na fazenda São Francisco do Perigara há um tanque para o gado e as araras beberem água e ele estava seco desde maio.
Além da oferta de alimentos, o fogo vai causar impacto na reprodução das aves. As araras-azuis se reproduzem dentro de cavidades que elas mesmo abrem com os bicos em troncos de manduvi. Essas árvores também foram consumidas pelas chamas. Com a redução das cavidades, aumentará a disputa pelas remanescentes.
“A abertura de uma cavidade é mais demorada que a perda, então há sempre um déficit. Por isso o Instituto criou ninhos artificiais de madeira, pinus ou eucalipto, mas que têm durabilidade menor. O ninho natural dura uns 20 anos, os artificiais duram de 2 a 3 anos. Com a redução das cavidades, certamente elas serão altamente disputadas pelas aves. Outro problema é que elas podem estar ocupadas por abelhas. De qualquer forma o sucesso reprodutivo das aves da região será afetado”, explicou a bióloga.
O Instituto Arara Azul instalou 20 ninhos artificiais em 2010. A organização não-governamental também monitora mais de 30 ninhos naturais cadastrados e várias cavidades em formação. Desde o início do projeto, foram registrados o nascimento de mais de 60 filhotes de araras-azuis na propriedade.
O projeto de monitoramento da população que frequenta o dormitório tem registrado aumento do número de araras-azuis. Em 2001, havia apenas 248 indivíduos no local. Em de 2014 a quantidade chegou a mais 1 mil e, neste ano, antes do início das queimadas, havia por volta de 700 aves no local.
As araras-azuis saíram do Livro Vermelho de Espécies Ameaçadas de Extinção do Brasil em dezembro de 2014, mas continuam como vulneráveis na lista da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN).