Em um País como o nosso em que a distribuição de renda representa-se por uma pirâmide com o bico mais fino que se pode imaginar, reunindo os poucos – muito poucos: fala-se em 1,5% a 2,5% – da população – que detém de forma ostensiva e até confrontante números muito vizinhos a 90% da riqueza nacional.
Fica difícil, quando se vê a fila interminável dos desempregados na madrugada, serpenteando em torno de quarteirões, formada por aquele apinhado grupo humano, circunstancialmente cultivando a mágoa e a desesperança, quando apenas esperam oportunidade de exercer o direito de trabalhar.
Ali está o quadro, em branco e preto, dos esquecidos pela fraternidade, ainda agarrados à vaga esperança de uma fé que também vacila, mas não abandonam, aguardam a alvorada que, ali, não tem garantia – muito menos horário – para chegar.
A academia, em princípio útil e valiosa, mas circunstancialmente pedante, de costas para o drama do dia a dia dos açoitados pelo destino, acorda mais tarde porque a equação e o teorema, teóricos, ainda que desafiadores, podem esperar. Não há desespero. Ainda estão alimentados os pesquisadores.
Enquanto isso, os bancos – resultantes de um processo oficial recente, mas já histórico, de flagrante e privilegiante concentração, que não parece tê-los desagradado – usam esse favorecimento enriquecedor, – inclusive, há poucos dias, anunciam lucros trimestrais bilionários. São instituições – agora pouquíssimas – constituindo o oligopólio que, num escárnio, anunciam, com televisíveis atores sorridentes, imorais taxas de juros (no caso do cheque especial e do cartão de crédito) se avizinham a 350% anuais. Falemos claramente: não é apenas um escândalo, mas um assalto.
O que espanta é o silêncio comprometido (ou a explicação com argumentos tão elegantes quanto insustentáveis, de algum economista enganado) da autoridade. Não importa de que governo.
Muito menos importa a ideologia que rotula o governo: todos são parte do silêncio comprometedor e da incapacidade de enfrentar esses malfeitos consagrados. Parece que os governos, há alguns anos – e não poucos – autoritários ou democráticos, alegadamente estatizantes ou com algum viés liberal, fardados ou informais, produzem discurso agressivo sobre falhas inexpressivas no varejo mas guardam silêncio obsequioso sobre os erros (quase pecados mortais) no atacado financeiro.
Não são apenas condescendentes com esse assalto dos bancos – que, a cores, dele divulgam em riquíssima publicidade, fazendo-se pensar que não lhes basta a extorsão rentável; querem mais. Lembremos os Romanos: “pão e circo”. Agora, não muito diferente ao lidar com a submissão e/ou dependência da sociedade, ainda que mais desonesto: “expropriação com a morfina anestésica de mentiroso anuncio colorido”.
Os governos não são desatentos. Não são mal-informados. Não são derrotados. Não são desprovidos do poder de decidir. Os governos, na verdade, são cúmplices nesse crime continuado, que faz parte de projeto – muito exitoso, aliás – de estimular para que os que tem pouco sejam cada vez mais com menos e os que tem muito sejam cada vez menos com mais.
O tema não é novo, nem creio lhe ter dado um tratamento mais contundente que a voz das ruas lhe dá. De mais a mais, corrosivo, como sempre, o genial e reverente George Bernard Shaw já dizia: “Os pecados do ladrão são as virtudes do banqueiro”. Será que ele tem razão nos dias atuais?