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Atentado contra Donald Trump pode ser menos decisivo do que se pensa

Ex-presidente dos Estados Unidos levou um tiro de raspão na orelha durante um comício na Pensilvânia. (Foto: Reprodução)

O atentado contra o ex-presidente americano Donald Trump no último sábado remete necessariamente os brasileiros à facada sofrida por Jair Bolsonaro em 6 de setembro de 2018, um mês antes do primeiro turno da eleição presidencial que terminaria por elegê-lo. Parte-se de um pressuposto – a facada teria sido decisiva para a vitória de Bolsonaro – para se chegar à conclusão, por analogia, de que a disputa entre republicanos e democratas nos Estados Unidos estaria praticamente resolvida a favor da vítima da tentativa de homicídio. Este raciocínio ganha ainda mais força diante do momento de extrema fragilidade do presidente Joe Biden, sob intensa pressão para desistir de concorrer depois que o debate eleitoral do último dia 27 deixou dúvidas sobre a sua lucidez. Há uma série de elementos, contudo, que cobram cautela tanto ao se analisar os resultados da eleição de 2018 no Brasil quanto ao se projetar qual deve ser o desfecho do pleito pela Casa Branca.

A começar da analogia com o Brasil. Há um conjunto de circunstâncias que tornam difícil isolar a facada como o elemento definidor daquela eleição. O processo eleitoral de 2018 até dias antes da facada estava sendo impactado pela estratégia eleitoral do PT. Lula liderava as pesquisas de intenção de voto, mas era sabido que não poderia concorrer e havia um elevado grau de incerteza sobre quem iria substitui-lo e até mesmo se o petismo teria um candidato. Não existia, portanto, uma polarização clara entre um nome de esquerda e um nome de direita.

Era esse o drama que se desenrolava no momento em que Bolsonaro foi atingido por Adélio Oliveira e o principal movimento detectado nas pesquisas nas semanas seguintes ao atentado não foi o crescimento da intenção de voto do hoje ex-presidente, mas sim o da transferência de votos de Lula para Fernando Haddad, quando o atual ministro da Fazenda foi escolhido como substituto. Entre o fim de agosto de 2018 e a última semana de setembro daquele ano Bolsonaro ganhou seis pontos percentuais, de acordo com os levantamentos Ibope e Datafolha. Nada muito impactante.

A avalanche a favor do bolsonarismo se deu na última semana do primeiro turno, entre 28 de setembro e 6 de outubro. Foi um período em que Bolsonaro convalescia dos ferimentos em casa, em meio à reuniões políticas, entrevistas para rádio e televisão e muita, mas muita atividade de sua militância nas redes sociais, por meio de mecanismos escusos, como circulação de “fake news” e uso de ferramentas como WhatsApp. O livro “A Máquina do Ódio”, da jornalista Patrícia Campos Mello, é uma boa fonte de informações sobre aquele momento. Aqueles dias ainda foram marcados pela estratégia da campanha de Haddad de desencadear uma campanha de rua contra Bolsonaro, o #elenão, favorecendo a imposição de uma polarização.

Nada disso permite, entretanto, descartar a facada como um dos elementos para a vitória de Bolsonaro. Inclusive por duas diferenças essenciais em relação ao caso americano: proximidade do pleito e gravidade dos ferimentos. Trump foi atingido de raspão na cabeça por uma bala de fuzil. A faca de Adélio perfurou o intestino de Bolsonaro, levou a duas operações de emergência e deixou sequelas na saúde do ex-presidente. Os dois estiveram perto da morte, mas o caso de Bolsonaro foi mais grave.

Pode-se argumentar que no caso americano o atentado se converteu em uma tragédia que custou a vida de um apoiador republicano, o bombeiro Corey Comperatore. Pesam, contudo, outras circunstâncias. Uma delas é a distância temporal, a eleição nos Estados Unidos será em 9 de novembro. Outra é cultural. “Infelizmente existe uma cultura política americana de lidar com atentados a candidatos. É lamentável, mas não configura novidade”, comenta o especialista em pesquisas Mauricio Moura, da Ideia Inteligência, que mora nos Estados Unidos e está acompanhando a convenção republicana em Milwaukee.

Moura lembra ainda que Trump é “figura amplamente conhecida e rejeitada por parte da sociedade”, o que leva o quadro político dos Estados Unidos a uma calcificação que impede viradas bruscas na opinião pública. Ainda é prematuro medir o impacto do atentado em Butler, mas dados do agregador de pesquisa 538 polls, da ABC News, indica como o eleitor americano está murado dentro das suas convicções. A eleição nos Estados Unidos até o momento teve três acontecimentos: a condenação judicial de Trump por usar recursos de campanha em 2016 para subornar uma atriz pornô que o chantageava, o debate televisivo em que o democrata Joe Biden aparentou estar senil e o tiroteio na Pensilvânia. A variação ponderada registrada no agregador pouco oscilou nas medições feitas 72 horas depois desses fatos.

Segundo o agregador, Trump estava com 42,4% de intenção de voto popular, Biden com 40,2% e o independente Robert F. Kennedy com 9% nesta terça-feira. Tinham respectivamente 41,7%; 40,4% e 9,1% 72 horas depois do desastroso debate de Biden, em 30 de junho. No dia 2 de junho, três depois da condenação de Trump, o republicano estava com 41% e o democrata com 39,8%, ante 9,8% do independente. É um quadro que indica um eleitorado que não reage aos acontecimentos. As informações são do jornal Valor Econômico.

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